O papel do TNF na patogênese da malária, em especial na forma cerebral da malária, já é conhecido há algum tempo. O TNF e o receptor de TNFTNF são biomarcadores de gravidade na malária: níveis elevados de TNF no soro são observados em pacientes de quadro clínico mais grave. O papel do TNF na gravidade se insere no quadro da tempestade de citocinas (como já foi mostrado na malária pelo Plasmodium falciparum e mostramos recentemente para a malária causada pelo Plasmodium vivax; ref abaixo) e os efeitos já conhecidos do TNF. Este fenômeno, porém, não esclarece os aspectos mais específicos da malária cerebral, a qual é observada em apenas um subgrupo dos pacientes graves. Um artigo interessante e que pode explicar, em parte, a patogênese da malária cerebral foi publicado há pouco tempo no Cellular Microbiology: “Vascular endothelial cells cultured from patients with cerebral or uncomplicated malaria exhibit differential reactivity to TNF.” (ref abaixo).
Um etapa importante do trabalho foi demonstrar que células endoteliais da microvasculatura cerebral (obtidas de pacientes que foram ao óbito) não difere do comportamento de células obtidas do tecido celular subcutâneo, o que facilitou a investigação da resposta ex vivo das células endoteliais ao estímulo inflamatório.
Os autores então compararam células endoteliais da microvasculatura de pacientes com malária cerebral ou com malária não complicada. As céulas, em cultivo, foram expostas ao TNF e vários parâmetros foram avaliados. As células obtidas de pacientes com malária cerebral mostraram maior capacidade de modular positivamente ICAM-1, VCAM-1 e CD61 qua as células de pacientes com malária não complicada. Adicionalmente, produziram mais IL-6 e MCP-1 além de maior aumento de liberação de micropartículas e níveis celulares mais elevados de caspase-3 ativada.
As moléculas avaliadas são importantes na malária cerebral. Ocorre uma ligação específica entre ICAM-1 e as hemácias parasitadas, assim como VCAM-1 é um receptor para estas células. A CD61 está envolvida na ligação de plaquetas ativadas ao endotelio e sua regulação positiva pode estar envolvida no acúmulo de plaquetas nos vasos cerebrais. A IL-6 parece ter um duplo papel, juntamente com o TNF pode aumentar a permeabilidade endotelial - relacionado com o edema cerebral da malária, e como reguladora positiva da expressão de ICAM-1 e VCAM-1, pode aumentar a aderência leucocitária ao endotélio. Já o MCP-1 , juntamente com a regulação positiva de ICAM-1, pode estar envolvido no recrutamento e ligação de monócitos à microvasculatura cerebral.
Como explicar a diferença de resposta da célula endotelial ao estímulo do TNF? Uma possibilidade seria que a gravidade da doença influencia o paciente dos quais as células foram colhidas, ou seja que esta responsividade seria mais um efeito que uma causa. O fato das células serem cultivadas antes de estimuladas com TNF torna menos provável esta possibilidade, pois os efeitos precisariam permanecer por longo tempo (cerca de 3 semanas, com vários ciclos celulares). A outra possibilidade, adotada pelos autores, é que haja diferenças próprias dos indivíduos na responsividade das células endoteliais em relação ao estímulo inflamatório.
Embora o estudo não seja completamente conclusivo e muitas das observações feitas necessitem de comprovação em sistemas mais próximos do micro-ambiente cerebral, ele abre perspectivas interessantes. As variações individuais na capacidade de resposta da célula endotelial ao estímulo inflamatório entram no rol de possibilidades para explicar a malária cerebral.
Wassmer, S., Moxon, C., Taylor, T., Grau, G., Molyneux, M., & Craig, A. (2011). Vascular endothelial cells cultured from patients with cerebral or uncomplicated malaria exhibit differential reactivity to TNF Cellular Microbiology, 13 (2), 198-209 DOI: 10.1111/j.1462-5822.2010.01528.x
Prezado Barral,
ResponderExcluirEu também achei muito interessante o estudo de Wassmer e colaboradores.
Uma possível explicação para a maior produção de citocinas pelas células endoteliais de pacientes com malária cerebral pode estar no efeito "priming" que foi observado em células de pacientes com malária falciparum (PMID:19297619).
Nosso grupo mostrou que IFNγ pode ser um grande vilão na patogênese da malária. Isso porque uma vez produzido, esta citocina prima as células da imunidade inata tornando-as altamente responsivas a um estímulo subsequente.
Este fenômeno já foi também demonstrado no modelo de Propionibacterium acnes (PMID: 15778393). Neste modelo, a produção de IFNγ em resposta à presença da bactéria primou células esplênicas fazendo com que estas produzissem níveis exagerados de TNFα e IFNγ após uma subsequente estimulação com LPS, Lipid A, Pam3Cysk4 ou com “whole killed bacteria”.
De fato, em nosso estudo investigamos o perfil gênico de células mononucleares do sangue periférico (PBMCs) de pacientes com infecção aguda por P. falciparum através de ensaios de microarray (PMID:19297619). Mostramos que uma porcentagem extraordinária de genes “up-regulated” durante a malária aguda pertenciam a classe de genes induzidos por INF (ISGs). Entre eles, estavam representados vários genes da família dos TNF.
O efeito do IFNγ em células do sistema imune é bem conhecido pelos imunologistas. Em vários ensaios experimentais com macrófagos, por exemplo, é recomendado primar estas células com IFNγ para torna-las responsivas ou para amplificar a resposta a algum tipo de estímulo.
É importante ressaltar que em ambos, na malária (PMID:19297619) e no modelo de P. acnes (PMID: 15778393), a ativação de TLR9 se mostrou crucial para a produção de IFNγ e a hiper-responsividade celular (efeito priming).
Em nosso mais recente artigo (PMID:21303985) mostramos que a interferência com a ativação de TLR9, e outros TLRs endosomais especializados no reconhecimento de ácidos nucléicos, pode bloquear o efeito priming causado pelo Plasmodium e impedir a hiper-responsividade celular, bem como a malária cerebral. Acreditamos que uma parte considerável do problema é a ativação celular com a produção inicial de IFNγ. Uma vez que esta citocina é produzida na malária e o sistema é primado, os efeitos são irreversíveis. Basta ver que o tratamento com o inibidor de TLRs que desenvolvemos protege camundongos da malária cerebral mesmo quando administrado poucos dias antes da manifestação dos sintomas da doença, mas não é capaz de reverter a síndrome uma vez que ela se estabeleceu.
Acredito que um efeito parecido pode ter ocorrido com as células endoteliais de pacientes com malária cerebral no estudo de Wassmer e colaboradores. Estas células foram possivelmente primadas por IFNγ ou outra citocina (mesmo TNF) produzida durante a infecção.
Na minha opinião, valeria a pena utilizar o modelo murino utilizando animais deficientes para IFNγ (ou TLR9) e investigar se há diferença na produção da IL-6 e MCP1 e na expressão das moléculas de adesão pelas células endoteliais na malária cerebral.
Atenciosamente,
Bernardo S. Franklin