Vitor R R de Mendonça
Fugindo um pouco dos tradicionais posts científicos deste blog, venho compartilhar um pouco da minha experiência durante dois meses no Laboratório de Malária da Fundação de Medicina Tropical (FMT-HVD), em Manaus. Não que Manaus seja uma cidade longínqua, pequena ou isolada, mas alguns tópicos são, no mínimo, curiosos. Neste período, fiquei hospedado no alojamento que a fundação disponibiliza aos médicos e pesquisadores visitantes, e muitos estrangeiros (espanhóis, argentinos, alemães, ingleses, indiano, e baianos) também se hospedam ali para estudar doenças tropicais.
A FMT-HVD é referência regional para o tratamento de doenças infecciosas do Amazonas e também é o centro de diagnóstico e tratamento da malária. Na região, cerca de 90% dos casos de malária são por Plasmodium vivax e o tratamento utilizado consiste nas drogas cloroquina e primaquina, com dosagens preconizadas pelo Ministério da Saúde. Como parte da triagem dos casos de síndrome febril aguda, existe o exame da gota espessa para afastar infecção pelo plasmódio como provável etiologia. Para isso, microscopistas altamente treinados ficam em regime de plantão, dando diagnóstico de malária mesmo em pacientes com baixíssimas parasitemias. Após ter visto/atendido mais de 100 pacientes infectados, percebi que febre, cefaléia, calafrios e mioartralgias são os sintomas mais freqüentes da doença, por isto muitas vezes confundida com outras doenças, como a dengue, que pode fazer um quadro similar. É notória a diferença da doença nos livros e a realidade na prática, muitos sintomas que eu julgava importantes não correspondem à realidade. Em relação à história epidemiológica, é bem típico os pacientes com malária terem freqüentado alguma região de área silvestre (normalmente sítios aos arredores da cidade) entre 10-14 dias antes de começarem os sintomas da doença, exatamente o período de incubação do parasita (fase hepática e assintomática). Além disso, a infecção pelo P. vivax pode recidivar por causa dos hipnozoítas, o que torna, muitas vezes, difícil diferenciar uma reinfecção de uma recidiva. Em Manaus, não há transmissão importante de malária, o que frustou a minha expectativa (até então) de vivenciar a doença integralmente.
Com o objetivo de começar um projeto em imunologia de sistemas, fiz a coleta de sangue, fezes e urina de pacientes com malária durante o dia no ambulatório, e o processamento das amostras no laboratório à noite. Os manauaras foram muito simpáticos e prontamente aceitaram participar do estudo, sempre com muita disponibilidade e confiança. Nesta relação pesquisador(estudante de medicina)-paciente, ainda fui contemplado com o carinho de alguns pacientes, que me trouxeram presentes. Além de porções de tapioca, tucumã, açaí ou farinha típica da região, também ganhei inesperadamente um tatu e um gavião (ainda com as penas) congelados de um paciente memorável.
No que se refere a pontos turísticos, Manaus é uma cidade única. Conhecida na época da borracha (látex proveniente das seringueiras) como a Paris dos Trópicos, esta cidade possui na parte antiga um estilo arquitetônico da época do século XIX, exemplificado pelo belíssimo Teatro Amazonas (foto acima, arquivo pessoal). Contudo, o que realmente define Manaus como um pólo de turismo é a sua posição geográfica privilegiada no meio da Floresta Amazônica. Encontro das águas (encontro dos Rios Negro e Solimões, formando o Amazonas), visita a comunidade indígena, nadar com os botos, cachoeiras de Presidente Figueiredo são algumas das opções turísticas da cidade. No último final de semana antes de voltar para Salvador, Dr Orlando (médico da malária) me convidou para o seu sítio, e pude vivenciar um pouco da área silvestre amazônica. Atravessei o igarapé a bordo de uma minúscula canoa, subi e desci barrancos, tive um encontro inusitado com uma aranha caranguejeira no banheiro, e servi como carne nova para a população incontável de carapanãs (popularmente, mosquito) do local. Bom, caso algum Anopheles sp. infectado tenha se aproveitado da oportunidade, estou no período de incubação e vou servir de paciente do meu próprio estudo daqui a uma semana.
Por fim, quero agradecer à hospitalidade de toda a equipe da FMT-HVD, que me acolheu muitíssimo bem, fornecendo todo o suporte necessário. Em especial, o meu obrigado ao Dr Orlando, o médico responsável por atender a maioria dos casos de malária, e que, muito pacientemente, muito me ensinou da clínica de doenças tropicais. E a Dr Marcus Lacerda (e equipe) que ofereceram a oportunidade e tornaram meu período em Manaus muito proveitoso.
lembrei do meu tempo em Rondônia. Não tive oportunidade de estar num super centro de malária, mas a experiência lá com o Raffa, Lukatoni e Tião (sem contar com o Jorjão empacotando os reagentes e plásticos, saudade da galera) foi impagável. Muito bom pra você, Vitão, ter essa experiência. No futuro você vai estar ainda mias grato.
ResponderExcluirAbraço
Bruno