Post de Gabriela B. C. Garcia
A Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (Manaus-AM) registrou, de 1996 a 2010, 19 mortes de pacientes infectados por Plasmodium vivax, espécie mais frequente do parasita da malária na região. Embora ainda considerada benigna, a malária vivax possui taxas de letalidade similares à infecção por P. falciparum e potencial para tornar-se grave, de acordo com estudos recentes. No entanto, os mecanismos clínicos e patológicos que levam à morte são pouco esclarecidos. Neste estudo, Lacerda et al. analisaram as complicações atribuídas à doença com base em 17 autópsias obtidas durante o período de 15 anos.
Quando em vida, os pacientes foram diagnosticados pelo método da gota espessa e tratados com cloroquina e primaquina. Os pesquisadores utilizaram nested-PCR para eliminar a possibilidade de coinfecção por P.falciparum a partir de DNA extraído de seções parafinizadas do baço e do pulmão, cedidas pelo departamento de patologia. Obtiveram também os prontuários e relatórios de autópsia macroscópica. Ensaios de imuno-histoquímica e imuno-histofluorescência auxiliares foram realizados para identificar comorbidades (dengue, hepatite B, entre outras).
Após análise das informações clínicas e patológicas obtidas, os casos foram classificados em:
- P. vivax como provável causa da morte, quando as alterações clínicas e patológicas fossem peculiares à malária e na ausência de comorbidades;
- P. vivax contribuiu para a morte, quando o paciente também possuía outra condição clínica crônica ou aguda;
- P. vivax como um achado incidental, quando a causa da morte pôde ser estabelecida e as alterações clínicas graves não foram associadas à malária.
A tabela 1, acima, resume os dados clínicos e laboratoriais disponíveis sobre as 17 autópsias realizadas.
As síndromes clínicas graves mais comuns diagnosticadas antes da morte foram insuficiência respiratória (15 de 17), icterícia (7de 17), insuficiência renal aguda (6 de 17), anemia grave (5 de 17) e coma (3 de 17). Com exceção do paciente 3, todos os demais
cumpriram pelo menos um dos critérios da OMS para a malária grave.
cumpriram pelo menos um dos critérios da OMS para a malária grave.
As autópsias confirmam que o P. vivax pode provocar doença fatal na América Latina, pois, em 13 dos 17 pacientes estudados, este parasita foi considerado a causa direta da morte ou contribuiu consideravelmente para a sua ocorrência. A principal complicação em pacientes que morreram devido à malária grave foi a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e edema pulmonar associado ao acúmulo de neutrófilos no espaço interalveolar (6 casos). Em seguida, ruptura do baço (3 casos) e síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (3 casos). As outras 4 mortes tiveram suas causas bem reconhecidas, tais como pneumonia, meningite ou febre amarela.
A alta prevalência de comorbidades encontrada contribui para um pior prognóstico da doença. Este problema certamente é mais notável em áreas de transmissão instável, onde os adultos mais velhos que sofrem de condições crônicas (p.ex. hipertensão, diabetes ou cirrose) são mais propensos a apresentar malária.
A morte dos indivíduos com deficiência de G6PD e doença falciforme, distúrbios hereditários que são particularmente frequentes em regiões endêmicas de malária, destaca que a infecção por P. vivax pode ser especialmente prejudicial a estas pessoas.
Regiões que relatam malária vivax grave são as mesmas que demonstram resistência à cloroquina, de acordo com estudos realizados na Indonésia e no Brasil. Devido a esse fato, segundo a OMS, a malária vivax grave deve ser tratada com derivados de artemisinina.
Conclui-se que o P. vivax pode exercer forte influência na morte de pacientes com doenças pré-existentes, mas também pode por si só causar a morte, conforme resultados do estudo em referência. A correlação entre a mortalidade associada à malária e a presença de comorbidades indica que estudos sobre as taxas de letalidade devidas à malária devem ser feitos com adequada exclusão de outras condições médicas que possam superestimar o efeito do P. vivax. Portanto, mais estudos com autópsias são necessários e fundamentais para a compreensão das discrepâncias entre a clínica e a patologia da malária vivax grave.
Referência:
Lacerda MVG, Fragoso SCP, Alecrim MGC, Alexandre MAA, Magalhães BML, Siqueira AM, Ferreira LCL, Araújo JR, Mourão MPG, Ferrer M, Castillo P, Martin-Jaular L, Fernandez-Becerra C, del Portillo H, Ordi J, Alonso PL, Bassat Q. Postmortem Characterization of Patients With Clinical Diagnosis of Plasmodium vivax Malaria: To What Extent Does This Parasite Kill? Clinical Infectious Disease 2012; 55(8):e67-74 DOI 10.1093/cid/cis615