terça-feira, 20 de outubro de 2009

O novo Qualis e as revistas brasileiras

A CAPES promoveu uma alteração nos critérios de classificação no Qualis que tem gerado resistência e crítica. O ponto central da discórdia parece ser o efeito dos novos critérios sobre o futuro das revistas científicas brasileiras. Creio que seria muito oportuno que a CAPES e o CNPq, como grandes financiadores das revistas nacionais, promovessem a discussão sobre os nossos periódicos: porque e para onde?

Embora já tenhamos divulgamos algo sobre a resistência ao novo Qualis, voltamos ao tema devido ao forte editorial do Prof. Maurício Rocha-e-Silva, intitulado “O Novo Qualis, que não tem nada a ver com a ciência do Brasil: carta aberta ao presidente da CAPES”. Para quem não sabe (e ainda os há): “Qualis é definido pela CAPES como uma lista de veículos utilizados para a divulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). Até recentemente estes veículos eram classificados quanto ao âmbito de circulação (Local, Nacional, Internacional) e quanto à qualidade (A, B, C), para cada área de avaliação. Serve para fundamentar o processo de avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação da CAPES.”

Em junho divulgamos no blog um artigo do Pesquisa FAPESP sobre a discórdia no Qualis. Os Profs. Jailson Andrade e Fernando Galembek publicaram um editorial na Química Nova com o título “Qualis quo vadis?” onde relatam que o novo sistema Qualis foi rejeitado pela comunidade de química "O Fórum de Pós-Graduação, ..., considerou inadequada a nova proposta para o Qualis e refuta os valores percentuais de 20 e 50% para os estratos A1 + A2 e A1 + A2 + B1, respectivamente. A aplicação desses percentuais faz com que vários periódicos importantes sejam excluídos dos estratos superiores, afetando diferentes subáreas tradicionais e de importância histórica e estratégica para a pesquisa em Química no Brasil, pois em alguns casos não existem periódicos que atingem tais fatores de impacto. Além disso, impedem que publicações como o Journal of the Brazilian Chemical Society, a Química Nova e os Anais da Academia Brasileira de Ciências reflitam seu importante papel como suporte para a divulgação dos trabalhos científicos na área de Química no país e no exterior. É de extrema importância levar em consideração o papel estratégico que esses periódicos representam para a inserção da pesquisa no cenário nacional e internacional". Em resumo, os avaliados, que contribuem diuturnamente para o aperfeiçoamento do sistema e realmente fazem a pesquisa e a pós-graduação refutam o Qualis divulgado!. “Leia o texto integral.

O Prof. Maurício Rocha-e-Silva publicou em janeiro um editorial na revista Clinics com o título “Qualis ou a tragédia anunciada”. O Prof. Rocha-e-Silva reconhece que o Qualis “foi de grande importância como primeira medida de qualidade do produto da pós-graduação. Praticamente todos concordam que ela já esgotou seu ciclo de validade e deve ser substituída” mas ele discorda dos critérios adotados e dos seus efeitos. Entre os efeitos um ao qual dá destaque especial é aquele relacionado ao efeito sobre as revistas científicas brasileiras: “Finalmente uma palavra a respeito dos periódicos brasileiros. Para marcianos que ainda nem desembarcaram, o Brasil é um país do quarteto BRIC, ou do sexteto BRICKT (BRIC mais Korea e Turquia). A ciência nestes países cresce mais depressa que no primeiro mundo, muito mais depressa que no resto do terceiro mundo. Todos estes países (Brasil inclusive) têm políticas oficiais agressivas de fomento aos periódicos nacionais, por entenderem que periódico autóctone de alta qualidade é imperativo de soberania e segurança. Por outro lado é fato bem conhecido que periódicos do terceiro mundo tem um viés negativo para captação de citações. Não sou ingênuo a ponto de crer que os periódicos BRICKT publicam ciência equivalente à do primeiro mundo: o que publicamos é inferior ao que aparece nos periódicos "lá de cima"! Mas isso não exclui a existência de viés: a diferença de citação é maior que a diferença de qualidade.

Em agosto, o Prof. Rocha-e-Silva volta à carga com um editorial bem mais virulento “O Novo Qualis, que não tem nada a ver com a ciência do Brasil: carta aberta ao presidente da CAPES” no qual retoma alguns pontos com mais acidez: “O quarto problema diz respeito aos periódicos brasileiros. Aqui, o esnobismo dos numerólogos se junta a certo saudosismo brega pela moda chique do século passado. Os ilustres Senhores aprenderam etiqueta de publicação nos anos 60-80 com seus maiores (como eu aprendi com o velho Mauricio!): publicar em periódico brasileiro era burrice e vergonha! Ninguém lia, ninguém tinha acesso, etc, etc. Mas parece que os tipos nem perceberam que já estamos no Século XXI. E aqui também, Jorge, aqui na ciência, a moda chique começa a mudar: nestes primeiros nove anos, os downloads de artigos da coleção SciELO saltaram de menos de meio milhão para quase 100 milhões/ano. É isso mesmo: somos hoje duzentas vezes (vinte mil por cento!) mais lidos que em 2000! Não me entenda mal, meu amigo! Não estou querendo dizer que ao sul do Trópico de Câncer se publica ciência tão boa quanto ao norte. Mas essa diferença, que é real, não exclui a existência de viez anti-periódicos-terceiromundistas. Este viez define-se em poucas palavras: a diferença de impacto é muito maior que a diferença de qualidade. Traduzindo para o óbvio ululante: se um autor puder escolher entre citar artigos de qualidade semelhante, um o New England Journal, outro do Brazilian Journal, geralmente vai preferir o primeiro. Vale para autores do mundo inteiro, inclusive para brasileiros.”

Bem, o ponto crítico nestas críticas, vindas de editores de revistas brasileiras, é sempre o impacto que o novo Qualis terá sobre o futuro das nossas publicações. Ou seja, o ponto a merecer uma discussão mais profunda é a necessidade e o papel de revistas científicas brasileiras. Se a CAPES e o CNPq motivarem a discussão, certamente diversas outras instituições, como o Scielo, o maior portal de revistas brasileiras, a FAPESP e as sociedade científicas terão interesse em participar.

Ilustração.

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