Post de Gabriela B. C. Garcia
A hemólise intravascular, uma condição patológica presente em várias doenças, é uma das grandes manifestações da infecção pela malária. O Plasmodium modifica os eritrócitos e degrada aproximadamente 60 - 80% do total de células vermelhas do sangue. A hemólise grave leva a complicações sistêmicas e a lesões em órgãos-alvo, implicando na patogênese da malária grave.
Em trabalho recentemente publicado, Dey e cols. (2012) fornecem evidências experimentais de que a lesão hepática da malária resulta do acúmulo de heme livre e aumento de oxidantes reativos no fígado, o que favorece a infiltração de neutrófilos. Foi demonstrado que o excesso de heme e o estresse oxidativo atuam na ativação do fator de transcrição NF-kB , responsável em promover a expressão de diversos genes – entre eles ICAM1, VCAM1, CXCL1 (KC), CXCL2 (MIP-2) – que codificam moléculas de adesão ou quimiocinas. Ambas possibilitam a aderência e infiltração de neutrófilos. Durante a hemólise intravascular há liberação de hemoglobina livre. Esta, por não ser captada pela haptoglobina devido à sua indisponibilidade nos eventos graves, é oxidada em ferrihemoglobina e se dissocia em globina e heme livre. O heme livre deveria ser retirado do sangue através da ligação com a hemopexina e posterior endocitose nos hepatócitos. No entanto, a hemopexina similarmente falha no combate ao excesso de heme e sua concentração é aumentada no soro.
Hemoglobina extracelular e heme livre são muito tóxicos por serem pró-oxidantes. O heme reage com H2O2 endógena e produz oxidantes reativos (esta interação também produz ferro pelo heme). Dentro do tecido, a toxicidade do heme é contra-atacada pela degradação desse grupo prostético pela heme-oxigenase 1 (HO-1). A ação da HO-1 sobre o heme também produz ferro, além de biliverdina e CO. Quando liberado, o ferro geralmente é quelatado pela ferritina. Entretanto, devido à condição hemolítica persistente e contínuo suprimento de heme, a HO-1 é superinduzida e gera enormes quantidades de ferro livre. Esta condição pode ultrapassar o limite da capacidade de sequestro do ferro pela ferritina. A falha do sistema citoprotetor ocasiona grave estresse oxidativo e morte celular por necrose e apoptose. Em síntese, o heme pode ser degradado por HO-1 ou H2O2. Isso resultará na geração de ferro livre (Fe+2) e, consequentemente, este também produzirá oxidantes reativos.
Em um dos experimentos realizados, uma sonda fluorescente indicadora de reações redox (DCFDA) sinalizou alterações do ferro livre em hepatócitos isolados do fígado de camundongos infectados. Os dados obtidos indicaram mudanças significativas em reações redox mediadas por ferro livre ou pela presença de radical com um elétron oxidante. As reações oxidativas aumentaram com o progresso da parasitemia ao longo do tempo (vide figura 3).
Durante a malária são encontrados maiores níveis de TNFα, citocina importante para a infiltração de neutrófilos no fígado e em outros órgãos. O heme também sensibiliza, por meio do estresse oxidativo, as células a terem morte mediada por TNFα. Portanto, propõe-se que sobrecarga de heme no fígado é a causa da grande produção de radicais livres através de reações mediadas por Fe e ação concomitante do TNFα. Foi realizado experimento de neutralização de TNFα e, como resultado, não houve infiltração de neutrófilos no fígado de camundongos com malária. Assim, concluiu-se que o tratamento com anticorpos anti-TNFα previne a infiltração de neutrófilos e dano hepático induzido pela malária.
Oxidantes reativos podem regular NF-kB de diversas maneiras e TNFα também é capaz de ativá-lo. Este fator de transcrição, quando mal regulado, gera cascatas imunológicas e inflamação inapropriadas, o que resulta em lesão hepática grave. O aumento do nível de quimiocinas mediado pela ativação de NF-kB como resultado do estresse oxidativo no fígado, é uma das razões para o extravasamento de neutrófilos no parênquima hepático a partir da microvasculatura hepática. Este cenário é essencial para a ocorrência da referida lesão.
O heme tem demonstrado ter um papel na indução da quimiotaxia de neutrófilos. Os autores propuseram que o heme e quimiocinas presentes no homogeneizado do fígado de camundongos infectados com malária atuam como importantes quimioatraentes para neutrófilos. A adesão dessas células aos hepatócitos desencadeia a produção de grande quantidade de espécies reativas de oxigênio. Logo, foi sugerido que a associação de NF-kB, estresse oxidativo e infiltração de neutrófilos no fígado constitui um ciclo vicioso em condições hemolíticas, o qual é responsável pela disfunção hepática.
Finalmente, para confirmar a correlação do ferro livre e de oxidantes reativos derivados do heme livre em lesões hepáticas durante a malária, foram utilizados um quelante de ferro (Deferoxamina – DFO) que interage com o heme e um eliminador de radicais livres (NAC). Os resultados obtidos sugerem que o DFO e o antioxidante (NAC) reduziram a ativação de NF-kB no fígado, a expressão de quimiocinas como KC e MIP-2 e a expressão de moléculas de adesão de células endoteliais, como ICAM1 e VCAM1. Além disso, a eliminação de oxidantes reativos e a quelação do ferro livre impediram a infiltração de neutrófilos no fígado. Portanto, a administração de um quelante de ferro e de um antioxidante pode ser considerada uma intervenção eficaz na prevenção da lesão hepática em condições hemolíticas.
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