quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"As duas culturas"

Em uma conversa recente com um amigo matemático do IMPA, ele me contou sobre uma palestra feita por João Moreira Salles (cineasta) na Academia Brasileira de Ciências. Nessa palestra, Salles falou sobre a super valorização das artes e humanidades em detrimento das ciências "duras" (matemática, física) e da engenharia, e as consequências do processo para o desenvolvimento tecnológico, científico e cultural do país. Achei aquilo interessante e hoje, lendo as Questões de Ciência, me deparei com o assunto, referenciando a mesma palestra. Adorei!

Na verdade, a palestra de Salles foi baseada em uma outra conferência, feita em 1959, pelo físico e escritor inglês C.P. Snow (desenho acima), na Universidade de Cambridge sobre a relação entre as ciências e as humanidades.

As duas culturas (The Two Cultures) is the title of an influential 1959 Rede Lecture by British scientist and novelist C. P. Snow. Its thesis was that "the intellectual life of the whole of western society" was split into the titular two cultures — namely the sciences and the humanities — and that this was a major hindrance to solving the world's problems.

"Snow observou que a vida intelectual do Ocidente havia se partido ao meio.  De um lado, o mundo dos cientistas; do outro, a comunidade dos homens de letras, representada por indivíduos comumente chamados de intelectuais, termo que, segundo Snow, fora sequestrado pelas humanidades e pelas ciências sociais. As características de cada grupo seriam bem peculiares. Enquanto artistas tenderiam ao pessimismo, cientistas seriam otimistas. Aos artistas, interessaria refletir sobre a precariedade da condição humana e sobre o drama do indivíduo no mundo. O interesse dos cientistas, por sua vez, seria decifrar os segredos do mundo natural e, se possível, fazer as coisas funcionarem. Como frequentemente obtinham sucesso, não viam nenhum despropósito na noção de progresso.  Estava estabelecida a ruptura: de um lado, o desconforto existencial, agravado pela perspectiva da aniquilação nuclear; do outro, a penicilina, o motor a combustão e o raio-X. Na qualidade de cientista e homem de letras, Snow se movia pelos dois mundos, cumprindo um trajeto que se tornava cada vez mais penoso e solitário. (Nota da autora: era 1959).

Segundo Snow, com a notável exceção da música, não há muito espaço para as artes na cultura científica: "Discos. Algumas fotografias coloridas. O ouvido, às vezes o olho. Poucos livros, quase nenhuma poesia." Talvez seja exagero, não saberia dizer. Posso falar com mais propriedade sobre a outra parcela do mundo, e concordo quando ele diz que, de maneira geral, as humanidades se atêm a um conceito estreito de cultura, que não inclui a ciência.  Os artistas e boa parte dos cientistas sociais são quase sempre cegos a uma extensa gama do conhecimento. Numa passagem famosa de sua palestra, Snow conta o seguinte: "Já me aconteceu muitas vezes de estar com pessoas que, pelos padrões da cultura tradicional, são consideradas altamente instruídas. Essas pessoas muitas vezes têm prazer em expressar seu espanto diante da ignorância dos cientistas. De vez em quando, resolvo provocar e pergunto se alguma delas saberia dizer qual é a segunda lei da termodinâmica. A resposta é sempre fria -e sempre negativa. No entanto, essa pergunta é basicamente o equivalente científico de 'Você já leu Shakespeare?'. "

Por que a cultura de ciência é tão desvalorizada entre nós? Por que saber física e matemática e biologia e química é ser nerd e saber de artes e música e cinema é ser intelectual? Quando o Bóson de Higgs foi anunciado, ganhou capas e capas de jornal. Quantas pessoas entendem o que essa descoberta significa significa? Tudo bem, esse exemplo não é dos melhores...

Mas o ponto é que cabe a nós, cientistas, fazermos nosso papel de divulgadores do nosso trabalho. Cabe a nós, mostrarmos para todo mundo que ciência é, sim, MUITO IMPORTANTE. Nós é que temos que valorizar o que fazemos, a ciência circula pelo mundo todo (Sciencia Totum Circumit Orbem) e deve ser estimulada tanto quanto as artes, música, dança, teatro e cinema. Por que não  incluir a ciência nos projetos sociais, em comunidades carentes. Assim como um jovem pode despertar para o balé ou a música, ele não poderia também se maravilhar com um kit de "O pequeno químico"? 

Termino com uma questão: por que a profissão de cientista só existe em filme de ficção? Nós não somos trabalhadores como o advogado, o professor, o empresário? Exemplo cotidiano: aquela revista que vem no avião com fotos de pessoas viajando para lá e cá e onde se lê:  Profissão: stylist, publicitário, dentista, bancário... E o matemático, físico, químico? Nunca vi. 

O post de hoje vai em homenagem a Aldina Barral, aniversariante do dia. Profissão: CIENTISTA.




4 comentários:

  1. Muito bom o post. A questão central é fundamental para o futuro da ciência. Precisamos fazer ciência de qualidade, mas não podemos nos distanciar da sociedade. É necessário que todos entenda, em conceito, o que o cientista faz.
    Também me associo à homenagem.

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  2. Oi Camila,
    Obrigado pela lembrança. Gostei do post.
    Abraço,

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  3. Parabéns a Camila pelo post, e aos demais cientistas, em especial à Dra. Aldina pelo seu aniversário! Desejo-lhe tudo de bom, mas acima de tudo, muita saúde. Abraço.

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