quinta-feira, 24 de maio de 2012

Propostas para a melhoria da Educação Científica no estado da Bahia

Artigo publicado no JC e-mail 4502, de 22 de Maio de 2012 (aqui), pelo grupo "Colaboração em pesquisa e prática em educação científica - CoPPEC":


"O grupo "Colaboração em pesquisa e prática em educação científica - CoPPEC" teve origem na comunidade virtual de práticas ComPratica e no grupo colaborativo de pesquisa descritos no JC E-mail, no dia 18 de abril de 2012, no artigo 16, intitulado "Comunidades de prática, pesquisa colaborativa e núcleos de pesquisa em ensino de ciências nas escolas: inovação educacional e democratização da produção de conhecimento".

Ainda no mês de abril de 2012, o secretário regional da SBPC Bahia, professor Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da UFBA, nos solicitou contribuições para discussão a ser conduzida pela secretaria regional e pela Academia Baiana de Ciências sobre a melhoria da qualidade da educação científica no estado da Bahia. Em resposta a esta solicitação, preparamos o documento que ora divulgamos, que reúne nossas contribuições, com linhas gerais de propostas para a melhoria do ensino de ciências neste estado, mas certamente reproduzíveis em outros contextos estaduais.

1. Deve-se defender o professor como eixo central da transformação e da melhoria do ensino de ciências, como ator principal dos processos de interação discursiva que, em sala de aula, constituem o ensino e mediam a aprendizagem dos estudantes (Schoonmaker, 2007; El-Hani & Sepulveda, 2012).

1.1. Isso significa que, antes de qualquer outra intervenção nas escolas que busque melhorá-las, devem-se criar condições adequadas de trabalho para os professores, a começar por salários dignos, que vão além, de fato, do salário base proposto pelo governo federal. Este ponto é também importante para aumentar a valorização social da profissão docente, de modo que possam ser atraídos os melhores quadros para essa atividade de central importância na sociedade brasileira. Novos métodos de ensino, novos equipamentos, novos currículos etc., todos podem trazer sua contribuição ao ensino de ciências, mas sem a atuação de qualidade do professor de nada adiantarão. Essa atuação de qualidade depende de boas condições de trabalho e, também, de boa formação.

1.2. No que tange à formação, propõe-se uma ampla discussão nas universidades do estado da Bahia, capitaneada pela SBPC regional e pela Academia Baiana de Ciências, sobre as licenciaturas voltadas para o ensino de ciências, de modo que sejam discutidas, comparativamente, as abordagens seguidas por cada curso, como via de aprimoramento da formação docente. Em relação aos estágios da licenciatura, é importante que envolvam efetivamente a convivência dos estudantes com a escola e a possibilidade de propostas de trabalho colaborativas com os docentes no desenvolvimento de inovações educacionais, em parceria com os formadores de professores que trabalham desde a universidade. Também é importante implantar processo sistemático de avaliação dos resultados do PIBID: o programa tem propiciado processos colaborativos, por exemplo? Qual tem sido o papel dos professores da educação básica na orientação dos alunos bolsistas? Que tipo de vivência do cotidiano do trabalho docente o programa tem propiciado aos alunos da licenciatura? Há uma articulação entre PIBID e estágios supervisionados? Por fim, é preciso avaliar as condições de trabalho dos professores que orientam estágios, em termos de sua carga horária de trabalho, bem como quanto às condições materiais para a execução do mesmo.

2. Como diretriz de transformação do ensino de ciências nas escolas do estado da Bahia, propomos a ideia de que o sistema escolar público do estado e, logo, cada escola deve tornar-se produtora de conhecimento, não apenas reprodutora do mesmo (Hargreaves, 1999; McIntyre, 2005). Desta perspectiva, entende-se que a pesquisa docente nas escolas é uma via importante de transformação da realidade do ensino. Não se deve, contudo, assumir que, para que uma escola seja produtora de conhecimento, todos seus professores devem ser investigadores. Isso porque é importante respeitar a diversidade de vias de ação pedagógica e desenvolvimento profissional dos professores, sem estabelecer vias únicas para todos os sujeitos (Schoonmaker, 2007). Sobre este ponto, seguem algumas elaborações adicionais:

2.1. Neste sentido, devem ser reforçadas e estendidas iniciativas que já vemos em andamento em nosso estado, a exemplo de editais como o Edital de Inovações Educacionais, da SEC/IAT e da Fapesb, que disponibiliza bolsas de professor-investigador para docentes da educação básica em proporção significativa (70% dos recursos financiados), além de disponibilizar para as escolas recursos financeiros por meio de descentralização de recursos do FAED. Em caso de parceria com a universidade, o mesmo montante financiado para a universidade (incluindo bolsas) deve ser dirigido às escolas. É fundamental manter o procedimento de que este recurso seja usado de acordo com planilha construída pelos membros da equipe do projeto e assinada pelo diretor da escola, de modo a garantir o uso dos recursos para a finalidade do projeto. Outro aspecto importante a ser implementado e mantido no Edital de Inovações Educacionais é a possibilidade de que escolas da educação básica sejam proponentes de projetos para concorrerem no edital. Outra proposta que constitui iniciativa a ser mantida e estendida é o Edital de Popularização da Ciência da Fapesb, que, além de disponibilizar bolsa na modalidade de professor-investigador, também permite que as escolas da educação básica proponham projetos por si mesmas, com ou sem parceria com as universidades.

2.2. É importante, contudo, criar outras condições também necessárias à condução da pesquisa docente nas escolas, como a disponibilização de horas para a pesquisa, mediante diminuição da carga horária dos docentes da educação básica, e de espaços físicos específicos de trabalho, pesquisa e estudo. Além disso, para a escola tornar-se produtora de conhecimentos, afastando-se de sua atual condição de transmissora formal dos saberes científicos, é forçoso refletir sobre os tempos escolares, engessados em cronogramas que obrigam o cumprimento de uma carga horária muitas vezes em prol de si mesma, levando com freqüência a uma reprodução de informações descontextualizadas do cotidiano dos alunos e dos professores, de forma impositiva, cujas consequências estão bem à mostra no âmbito das principais pesquisas educacionais, que se referem à alfabetização científica dos alunos em formação básica e graduação. A incorporação da ciência na vida cotidiana dos estudantes demanda um tratamento dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais da ciência em conexão com suas próprias vidas, o que requer currículos menos repletos de conteúdos, menos engessados e mais flexíveis.

2.3. Deve-se ampliar a discussão nas universidades sobre a pesquisa docente conduzida por professores da educação básica, de modo a pôr em questão a posição hierárquica, de superioridade, que pesquisadores e universidade tendem a assumir em relação aos professores de educação básica e à escola (El-Hani & Greca, 2011, no prelo; El-Hani & Sepulveda, 2012). É importante criar procedimentos para divulgação entre os pares das inovações educacionais e pesquisas conduzidas por professores da educação básica. Também é importante que não só as inovações geradas nas universidades, mas também nos órgãos técnicos da própria Secretaria de Educação sejam produzidas em relações de colaboração. Além disso, é importante pensar modalidades de projetos colaborativos entre professores da educação básica não só de áreas diferentes, mas também, de uma mesma área que atuam em níveis escolares diferentes, o que poderia contribuir para a apropriação de conceitos científicos pelos professores das séries iniciais (não garantida pelos cursos de Pedagogia) ou finais (conceitos de Física/Química/Biologia) do Ensino Fundamental. Além de favorecer a formação dos professores, esta colaboração contribuiria para que professores das séries mais avançadas conhecessem melhor o percurso de aprendizagem dos seus alunos. Além disso, seria possível realizar estudos longitudinais com vistas à proposição de inovações educacionais.

3. Por fim, da perspectiva das universidades, é importante fomentar melhores condições para aproximação entre a pesquisa educacional e a prática docente, com base em propostas como as que seguem:

3.1. A proposição de novos editais que fomentem parceria entre escolas e universidades em propostas não só de pesquisa, mas também de inovação educacional, podendo ser proponentes não apenas universidades, mas também escolas da educação básica.

3.2. Fomentar a criação de núcleos de aproximação pesquisa-prática docente nas universidades, com professores do quadro docente da universidade com experiência de trabalho colaborativo com professores da educação básica, que possam atuar como negociadores de fronteiras (Wenger, 1998) entre as distintas comunidades de pesquisadores, professores e outros atores educacionais. Para promover a negociação de fronteiras entre universidade e escola, seria interessante um sistema em que diferentes professores de prática de ensino - orientadores dos estágios supervisionados - assumissem esta função durante um período - por exemplo, dois a quatro anos - e, para tanto, tivessem sua carga horária de sala de aula reduzida à orientação de estágio e a este papel mediador, para o qual seria requerido que vivenciassem o cotidiano tanto da universidade quanto das escolas.

4. A SBPC e a Academia Baiana de Ciências devem fomentar propostas para a melhoria da educação científica que não sejam construídas somente por pesquisadores das áreas específicas (biólogos, físicos, químicos etc.), ou somente por pesquisadores das áreas pedagógicas. Estas propostas devem ser elaboradas por equipes verdadeiramente interdisciplinares, na medida em que o problema educacional é complexo, demandando aportes de conhecimento sobre os conteúdos e procedimentos específicos das disciplinas científicas; sobre os processos de ensino e aprendizagem; sobre os processos de gestão da sala de aula e da escola; sobre o saber docente; sobre a história, filosofia e ensino de ciências. A sugestão é, então, que a SBPC Regional e a Academia Baiana de Ciências se contraponham a propostas unilaterais de transformação da educação científica que por vezes vemos alardeadas nos meios científicos e mesmo na mídia. Para um problema complexo, necessitamos de uma abordagem que envolva distintas perspectivas, não com uma única mirada.

5. Como a Secretaria de Educação e Cultura tem promovido as Feiras de Ciências da Bahia, precedidas das Feiras de Ciências nas escolas, seria importante haver um monitoramento do processo investigativo que resulta nos produtos expostos nas feiras, com destaque para a concepção de ciência envolvida. Seria importante que as Feiras de Ciências fossem precedidas de um levantamento das atuais condições estruturantes das escolas e universidades, seguidas de um relatório que contemplasse também o estado de empoderamento dos professores, protagonistas obrigatórios em qualquer iniciativa escolar, visando disponibilizar informações diagnósticas sobre as feiras, visando à construção de projetos com fundamentos sólidos e bem estruturados, que não frustrem os agentes do processo educativo nas escolas.

Referências:
EL-HANI, C. N. & GRECA, I. M. Participação em uma comunidade virtual de prática desenhada como meio de diminuir a lacuna pesquisa-prática na educação em biologia. Ciência e Educação, v. 17, n. 3, p.  579-601, 2011.
EL-HANI, C. N. & GRECA, I. M. ComPratica: A virtual community of practice for promoting biology teachers' professional development in Brazil. Research in Science Education, no prelo.
EL-HANI, C. N. & SEPULVEDA, C. Comunidades de prática, pesquisa colaborativa e núcleos de pesquisa em ensino de ciências nas escolas: inovação educacional e democratização da produção de conhecimento. Jornal da Ciência, n. 4479, 18/04/2012.
HARGREAVES, D. H. The knowledge-creating school. British Journal of Educational Studies, v. 47, n. 2, p. 122-144, 1999.
MCINTYRE, D. Bridging the gap between research and practice. Cambridge Journal of Education, v. 35, n. 3, p. 357-382, 2005.
SCHOONMAKER, F. One size doesn't fit all: reopening discussion of the research-practice connection. Theory into Practice, v. 46, n. 4, p. 264-271, 2007.
WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. New York, NY: Cambridge University Press, 1998.

*Este documento é um produto coletivo dos participantes do grupo "Colaboração em pesquisa e prática em educação científica - CoPPEC".

UFBA:
Charbel Niño El-Hani (LEHFBio, IB-UFBA)
Thiago Serravalle de Sá (LEHFBio, IB-UFBA)
Juan Manuel Sánchez Arteaga (LEHFBio, IB-UFBA)
Maria Daniela Martins Guimarães (LEHFBio, IB-UFBA)
Maria Aparecida dos Santos Santana (LEHFBio, IB-UFBA)
Rosiléia Oliveira de Almeida (EnCiMa, FACED-UFBA)
Izaura Santiago da Cruz (EnCiMa, FACED-UFBA)

UEFS:
Claudia de Alencar Serra e Sepulveda (GCPEC, Depto. de Educação-UEFS)
Mariangela Cerqueira Almeida (GCPEC, Depto. de Educação-UEFS)

Colégio da Polícia Militar (CPM), Unidade Dendezeiros, Salvador:
Cássia Regina Reis Muniz
Valter Alves Pereira
Natália Rodrigues da Silva
Anna Cássia de Holanda Sarmento

Instituto de Educação Gastão Guimarães (IEGG), Feira de Santana:
Vanessa Perpétua Garcia Santana Reis
Maria da Conceição Lago Carneiro

Colégio Estadual Hermano Gouveia Neto, Lauro de Freitas:
Jorge Bugary Teles Junior
Tânia Costa Caldas
Vânia Jaciara Bispo Costa

Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, Feira de Santana:
Ana Lucia Albuquerque Pereira Costa Amarante

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Camaçari:
Ana Paula Miranda Guimarães
Alessandro Eduardo de Almeida Sousa

Colégio Estadual Plataforma, Salvador
Andrea da Silveira Cordeiro Cunha"

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