Figura adaptada de Gwamaka et al., 2012: Deficiência de ferro é associada a uma menor % de visitas com parasitemia em todas as faixas etárias analisadas (odds ratio [95%confidence interval; CI] = 0.15 [0.12, 0.19], P <0,01).
Post de Ligia C. L. de Souza
Já é algo estabelecido no cotidiano do médico clínico a pesquisa de sinais, sintomas e dados laboratoriais de anemia. Presente em cerca de 30% da população - principalmente devido à carência de ferro - a condição anêmica, especialmente em crianças, pode levar a um déficit cognitivo, motor, ponderal e estatural. Guidelines internacionais indicam, portanto, a suplementação deste micronutriente em crianças de áreas de alta prevalência de anemia.
A África Subsaariana é uma dessas áreas. Nessa região, além da deficiência de ferro, há a infecção pelo Plasmodium falciparum - condições que lá despontam como maiores responsáveis pela anemia. Apesar da alta prevalência de anemia assinalar a necessidade de suplementação de ferro, ainda não há segurança dessa medida em áreas endêmicas de malária. Alguns estudos apontam para a deficiência de ferro como um fator protetor contra a malária, embora outros não identifiquem essa relação.
Assim, um estudo de Gwamaka et al, realizado no nordeste da Tânzania – pertencente à África Subsaariana – monitorou clínica e laboratorialmente 785 crianças do nascimento até três anos de idade verificando quanto à carência de ferro (através de amostras de sangue colhidas rotineiramente a depender da idade), como também quanto ao desenvolvimento de malária (esfregaço sanguíneo e visita clínica a cada 2 semanas no 1º ano e posteriormente a cada mês). Os casos de malária grave eram definidos de acordo com a presença de parasitas no esfregaço sanguíneo juntamente com a presença de um ou mais critérios definidos pela OMS que incluem parâmetros de: angustia respiratória, convulsão, prostração, hipoglicemia e anemia severa. Já os casos de deficiência de ferro foram definidos com a concentração de ferritina (corrigido de acordo com a presença ou não de inflamação).
Ao fim de 113 semanas de seguimento, 16% das 785 crianças haviam desenvolvido malária, com uma parasitemia média de 829 P. falciparum /200 glóbulos brancos. A prevalência de deficiência de ferro era baixa nos neonatos, mas aumentou rapidamente ao longo da infância. Crianças com carência de ferro avaliadas nesse estudo tinham em relação às crianças com níveis normais de ferro, 6,6 vezes menos chance de ter malária (ver figura), 3,9 vezes menor parasitemia, 24 vezes menos hiperparasitemia e 4 vezes menos malária grave.
Ou seja, a carência de ferro está associada não somente a uma menor chance de contrair malária, mas também a uma menor densidade parasitária. Ainda nesse estudo, ao longo de 3 anos, a deficiência de ferro em crianças de área endêmica foi associada à redução de 66% de chance de morte por malária em relação às demais crianças. Estes resultados são um grande avanço para as estratégias de saúde nas regiões endêmicas de malária por P. falciparum. Há necessidade de esboçar restrições à suplementação de ferro nessas localidades, afinal a condição ferropriva é um fator protetor contra a infecção por P. falciparum em crianças.
Transpondo esses dados para a população brasileira, encontramos a malária localizada na região norte do país, causada neste caso predominantemente por P. vivax. Em estudo, Cardoso et. al. encontrou deficiência de ferro em 45,6% dentre 1111 crianças de 6 meses a 10 anos na Amazônia brasileira. É necessário, dessa maneira, questionar se essa carência de ferro também é fator protetor contra a infecção por P. vivax para elaborar com segurança estratégias de combate à anemia em crianças de regiões com alta incidência de malária.
Referências
WHO. Health topics: Anaemia. Disponível em: http://www.who.int/topics/anaemia/en/. Acesso em: Maio de 2012.
CARDOSO, M. A.; Scopel, K. K.G.; Muniz P.T.; Underlying Factors Associated With Anemia In Amazonian Children: A Population-Based, Cross-Sectional Study. Disponível em: www.plosone.org. Acesso em: Maio de 2012.
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