terça-feira, 19 de outubro de 2010

Novos rumos para vacina contra o HIV


Post de Ricardo Khouri
Publicado originalmente no SBlogI.
A entrada de agentes microbiológicos nocivos ao nosso organismo desperta um complexo sistema de defesa imunológica que será estabelecida afim de delimitar e eliminar o invasor. O desenvolvimento de uma resposta imune eficiente e duradoura contra estes agentes microbianos depende principalmente de três personagens centrais: antígenos, células apresentadoras de antígenos (ex. células dendríticas plasmacitóides e mielóides) e linfócitos (ex. células T CD4+ e T CD8+). 
As células dendríticas são as responsáveis por capturarem e processarem os antígenos invasores, apresentando-os em sua superfície como complexos MHC-peptídeo. Assim, os linfócitos podem reconhecer os peptídeos estranhos e se tornarem ativados desempenhando o seu papel efetor. Contudo, uma apresentação bem sucedida depende também de uma ativação das células dendríticas. Além de apresentarem os antígenos em sua superfície, as células dendríticas precisam secretar citocinas (IL-12 e IFN-alfa/beta) e expressarem moléculas co-estimulatórias (ex. CD80 e CD86) em sua superfície. A ativação das células dendríticas depende do reconhecimento de padrões moleculares associados aos patógenos (PAMPs-pathogen-associated molecular patterns) por receptores especializados (PRRs-pattern recognition receptors). Existem três classes bem estudadas de PRRs: os secretados (ex. Colectinas e ficolinas), os transmembranares (ex. TLRs/MyD88) e os citosólicos (ex. NLRs). 
Na infecção por HIV, os mecanismos que estimulam a resposta imune inata e levam ao desenvolvimento de uma resposta imune adaptativa ainda abrigam novas descobertas. O reconhecimento imune inato pode ser celular intrínseco ou celular extrínseco, necessitando ou não do estabelecimento da infecção para desencadear a resposta, respectivamente. Os mecanismos extrínsecos já foram descritos in vitro e in vivo nas infecções por HIV. In vitro, o HIV-1 pode ativar células dendríticas plasmacitóides através de TLR7 e TLR9 e induzir a produção de IFN-alfa. Porém, no modelo in vivo murino, a resposta imune protetora contra a infecção por Friend murine leukemia vírus foi parcialmente dependente de MyD88 para resposta imune adaptativa celular, sugerindo um outro mecanismo de reconhecimento diferente de TLR ainda não descrito para os retrovírus. As células dendríticas mielóides parecem não expressar TLR9 e são portanto dificilmente estimuladas pelo HIV-1 extrinsicamente. Estas células, por sua vez, são altamente resistentes a infecção por HIV-1, encombrindo a descoberta de mecanismos de reconhecimento inato intrínseco.
Devido a ausência de Vpx no HIV-1, e presente no SIV e HIV-2, o grupo liderado por Dan R. Littman utilizou coinfecções HIV-1/SIV para promover a infecção de células dendríticas mielóides humanas pelo HIV-1. A infecção das células dendríticas mielóides induziu a ativação das células dendríticas com expressão de CD86 após 48 horas. Foi observado que as células dendríticas mielóides infectadas apresentavam um perfil de expressão gênica típico de indução por IFN do tipo I (IFN-alfa/beta), porém tardia quando comparada aos ligantes de Toll clássicos (LPS e Poli I:C). A fosforilação de STAT1 foi descrita apenas 22 horas após a infecção, enquanto LPS e Poli I:C induziram fosforilação de STAT1 nas primeiras duas horas. O uso de anticorpos bloqueadores contras os diferentes tipos de IFNs demonstrou o papel principal do IFN-beta na ativaçào das células dendríticas mielóides e na expressão das moléculas coestimulatórias. 
Com o intuito de se compreender em qual fase do ciclo de replicação viral acontece a ativação das células dendríticas mielóides, os autores utilizaram inibidores para transcriptase reversa (AZT-zidovudine) e integrase (raltegravir) nas primeiras 24 horas. O uso dos inibidores garantiram o bloqueio da transdução protéica viral e a não ativação das células dendríticas mielóides, indicando que a ativação celular acontece apenas após a integração viral. 
O próximo passo foi induzir mutações em diferentes regiões virais. A mutação da região Rev, responsável pela inibição da expressão de Gag preveniu a ativação das células dendríticas mielóides. Não obstante, a tentativa de mimetizar o efeito da expressão de Gag tratando as células com partículas do capsídeo do HIV-1 falhou quanto a indução das células. Estes resultados indicaram a necessidade da nova síntese de Gag para ativação das células dendríticas explicando o atraso na fosforilação de STAT1. 
A seguir foram realizadas mutações nas proteínas do capsídeo viral. O mutante G89V, que apresenta um comprometimento na associação do capsídeo viral com CYPA, proteína fundamental no estabelecimento da infecção após a entrada do vírus, resultou numa redução na expressão de CD86. Em adição, o uso de inibidores químicos (ciclosporina A) e moleculares (RNAi) de CYPA apresentaram o mesmo efeito inibidor na expressão de CD86. 
Dessa maneira, descreve-se um papel conflitante da associação do CYPA com o vírus entre favorecer a infectividade viral ou a resposta imune do hospedeiro. Os resultados indicam, portanto, uma evolução da conformação do capsídeo que se opõe a pressões seletivas favoráveis a infectividade priorizando a furtividade do vírus. Sabe-se que a resposta aos IFN-alfa/beta dependem de fosforilação, dimerização e translocação para o núcleo do IRF3. Após a infecção de células dendríticas mielóides observou-se um acúmulo de IRF3 fosforilado no núcleo celular. A depleção do IRF3 inibiu a indução de CD86 nas células infectadas. 
Assim, a ativação de células dendríticas mielóides por HIV-1 depende da entrada do vírus e do estabelecimento da infecção com produção de novas proteínas virais do capsídeo que são reconhecidas pela ciclofilina A, CYPA. Este reconhecimento induz a produção de IFN-beta e consequentemente a fosforilação de IRF3, induzindo a expressão de moléculas coestimulatórias como o CD86. 
Por fim, o estudo do grupo de Littman et al, 2010, abordou os impactos do reconhecimento inato intrínseco na resposta imune adaptativa e no bloqueio do processo de infecção de células T CD4+ pelas células dendríticas que são capazes de circular no organismo carreando os vírus na sua superficie, processo descrito como “trans-enhancement”. O reconhecimento inato intrínseco foi capaz de induzir clones de células T CD4+ e T CD8+ produtoras de IFN-gama com atividade efetora especifica contra Gag estabelecendo portanto, uma resposta imune adptativa. Além do mais, foi capaz de bloquear o processo de “trans-enhancement” in vitro inibindo a infecção de novas células CD4+.
Assim, a incapacidade do HIV-1 frente ao HIV-2 de infectar células dendríticas favorece portanto a sua virulência e sinaliza novos mecanismos de manipulação para gerar novas vacinas contra o HIV-1.
Artigo 

ResearchBlogging.orgManel, N., Hogstad, B., Wang, Y., Levy, D., Unutmaz, D., & Littman, D. (2010). A cryptic sensor for HIV-1 activates antiviral innate immunity in dendritic cells Nature, 467 (7312), 214-217 DOI: 10.1038/nature09337

Outras Referências:
Banchereau J, Steinman RM. Dendritic cells and the control of immunity. Nature. 1998 Mar 19;392(6673):245-52. 
Goujon C, Jarrosson-Wuillème L, Bernaud J, Rigal D, Darlix JL, Cimarelli. A  With a little help from a friend: increasing HIV transduction of monocyte-derived dendritic cells with virion-like particles of SIV(MAC). Gene Ther. 2006 Jun;13(12):991-4. 
Iwasaki A, Medzhitov R. Regulation of adaptive immunity by the innate immune system. Science. 2010 Jan 15;327(5963):291-5. Review.

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