Figura adaptada de Tobin et al, 2012, Cell.
Vitor R R de Mendonça
Publicado originalmente no blog da SBI (SBlogI)
Em um estudo recentemente publicado na Cell, Tobin e cols. associaram estados pró-inflamatórios e anti-inflamatórios induzidos pelo gene LTA4H (leukotriene A4 hydrolase) e a terapia imunomoduladora na infecção por micobactéria em zebrafish e humanos.
A primeira parte do estudo mencionado foi realizada no peixe zebrafish infectado pelo Mycobacterium marinum. Observou-se que larvas de zebrafish alteradas geneticamente com perda da função do LTA4H tinham altos níveis da lipoxina, uma molécula anti-inflamatória que aumenta a susceptibilidade à infecção pelo M. marinum através da inibição da transcrição do TNF. Baixos níveis de TNF aumentam a necrose e o crescimento bacteriano intramacrofágico. Por outro lado, larvas de zebrafish com aumento da transcrição do gene LTA4H estão associadas com maiores níveis de leucotrieno B4 (LTB4), produto da reação catalisada pela LTA4 hidrolase (vide figura acima). O aumento dos níveis da molécula pró-inflamatória LTB4 foi relacionado à elevação da concentração de TNF, que também foi associada a uma maior susceptibilidade do zebrafish à infecção pelo M. marinum por aumentar a necrose de macrófagos e o crescimento extracelular das bactérias. Portanto, tanto a alta como a baixa expressão de LTA4H estão associadas à infecção pela micobactéria, sendo por uma resposta anti-inflamatória induzida pela lipoxina ou através de uma resposta pró-inflamatória pelo LTB4, ambas tendo o TNF como molécula efetora.
A segunda parte do estudo consistiu em verificar alterações genéticas no LTA4H em humanos que possam influenciar na evolução da meningite tuberculosa (uma das formas graves da tuberculose em humanos). Verificou-se que um SNP (single nucleotide polymorphism) rs17525495 C/T na região de início de transcrição do gene LTA4H está correlacionado com níveis diferentes da sua enzima. Homozigotos mutantes (T/T) apresentaram os maiores níveis de RNAm e da proteína LTA4 hidrolase, enquanto os homozigotos selvagens (C/C), os menores níveis; tendo a condição heterozigota (C/T) níveis intermediários de LTA4H. Os autores perceberam que as alterações genéticas induzidas em larvas de zebrafish para modificar a expressão de LTA4H já existiam naturalmente em humanos.
O próximo passo de Tobin e cols. foi verificar se este SNP poderia influenciar na evolução e terapêutica dos indivíduos com meningite tuberculosa. O uso de glucocorticóides (dexametasona) como tratamento anti-inflamatório contra a meningite tuberculosa é controverso devido a um modesto efeito benéfico evidenciado em diversos estudos. No seguimento de 182 pacientes vietnamitas com meningite tuberculosa, percebeu-se que aqueles com os genótipos T/T (alta expressão de LTA4H) e C/C (baixa expressão de LTA4H) tiveram maior mortalidade do que heterozigotos C/T. Observou-se que a terapia anti-inflamatória com dexametasona aumentou significativamente a sobrevida em indivíduos T/T e diminuiu naqueles C/C. Entretanto, os indivíduos C/C tiveram maior sobrevida enquanto aqueles T/T tiveram alta mortalidade no grupo que não usou a dexametasona (vide figura acima). Portanto, o uso da terapia anti-inflamatória seria benéfica apenas nos indivíduos T/T por terem um padrão de resposta pró-inflamatória pelo excesso de LTB4 e TNF. Nos pacientes C/C com padrão de resposta anti-inflamatória secundária a níveis elevados de lipoxina e menores concentrações de TNF, o uso de dexametasona pode inclusive aumentar a morbimortalidade.
A terapêutica baseada no genótipo do paciente é um avanço científico para entender e superar os fatores individuais relacionados à resistência ao tratamento das enfermidades. O estudo de Tobin e cols. merece atenção especial devido aos dados robustos e pioneiros, assim como pela argumentação coerente. Contudo, outros estudos em diferentes populações e com outras doenças inflamatórias serão necessários para ratificar a relevância da terapia baseada no genótipo do LTA4H proposta pelo trabalho supracitado.
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