Rumo a vacinas mais eficientes
Em dois estudos, equipe coordenada por brasileiro mapeia o desenvolvimento das células que acionam a produção de anticorpos e sugere nova estratégia de combate ao HIV
Ricardo Zorzetto
Edição Online - 22/04/2009
Pesquisa FAPESP -
© Gabriel Victora e Tanja Schwickert/Science
Nos últimos meses o grupo do imunologista brasileiro Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller, em Nova York, avançou dois passos em direção ao desenvolvimento de vacinas mais eficientes. Anunciadas em dois artigos publicados na Science e na Nature, duas das mais prestigiosas revistas científicas do mundo, essas descobertas devem contribuir para uma nova forma de se produzir vacinas, que vem sendo chamada de concepção inteligente de vacinas: o uso de informações genéticas para obter compostos capazes de gerar defesas mais eficazes contra vírus, bactérias ou outros parasitas. “O desenho inteligente de vacinas é a forma de se pensar vacinas do século 21”, comenta Nussenzweig.
O mais recente desses avanços, apresentado na capa da edição de 17 de abril da Science, é a identificação de como surgem e se desenvolvem as células do sistema de defesa que detectam a invasão de microrganismos e acionam a produção de anticorpos, proteínas que neutralizam e ajudam a eliminar os agentes externos que infectam o organismo. Chamadas de dendríticas por apresentarem prolongamentos que lembram os ramos de uma árvore (déndron significa árvore em grego), essas células identificam os vírus, as bactérias e outros invasores e, com movimentos semelhantes aos dos braços de um polvo, os envolvem, engolem e destroem – mecanismo conhecido como fagocitose. Em seguida as células dendríticas expõem em sua própria superfície pedaços do invasor e os apresentam a outro grupo de células de defesa, os linfócitos T, que, por sua vez, acionam os linfócitos B, produtores de anticorpos.
Células dendríticas maduras, prontas para induzir a produção de anticorpos, são encontradas em órgãos do sistema linfático como o baço e os linfonodos. Também estão presentes na pele e nas membranas que revestem órgãos em contato direto ou indireto com o ambiente, como o nariz, os pulmões e os intestinos. Mas há quase quatro décadas se tentava descobrir quais células do sistema de defesa as originavam.
No laboratório de Nussenzweig, a pesquisadora Kang Liu teve a ideia de usar proteínas encontradas exclusivamente nas células dendríticas maduras para identificar suas precursoras. Da medula óssea de camundongos, ela isolou as candidatas a progenitoras das células dendríticas marcadas com uma proteína verde fluorescente e as injetou em roedores geneticamente idênticos. Com o auxílio de um microscópio especial que permite ver as células em atividade no corpo de animais vivos, Kang Liu, Tanja Schwickert e o imunologista brasileiro Gabriel Victora acompanharam o percurso que faziam no corpo dos camundongos.
A equipe da Rockefeller confirmou que as células dendríticas de fato surgem no interior dos ossos, assim como as demais células do sistema de defesa, e ainda imaturas chegam à corrente sanguínea e se espalham pelo corpo. Parte delas se aloja no baço e nos linfonodos, onde amadurecem e até que, cerca de uma semana mais tarde, estejam prontas para identificar os invasores.
Diferentemente do que muitos imunologistas acreditavam, as células dendríticas evoluem a partir de progenitores distintos dos que geram outras células de defesa especializadas em realizar a fagocitose sem ativar a produção de anticorpos. Estas são produzidas a partir dos monócitos, enquanto as primeiras são geradas por células chamadas de precursores de células dendríticas, verificou o grupo de Nussenzweig.
“Conhecer a origem precisa dessas células é fundamental para que se saiba como podem ser manipuladas para a obtenção de vacinas”, explica Victora. Acredita-se que seja possível gerar uma resposta imunológica mais eficiente ao fornecer às células dendríticas moléculas que elas reconheçam como sendo de microrganismos invasores. Na forma tradicional de produção de vacinas, buscam-se, por tentativa e erro, pedaços maiores ou formas inativas de vírus ou bactérias para estimular a fabricação de anticorpos.
Coquetel natural antiHIV – Em outro trabalho, publicado em 2 de abril na Nature, a equipe do imunologista brasileiro apresentou uma provável explicação para ainda não se ter conseguido uma vacina eficiente contra o HIV, o vírus causador da Aids. As vacinas testadas até o momento tentam impedir o vírus de invadir as células do sistema de defesa estimulando a produção de apenas um ou dois anticorpos diferentes que aderem a sua superfície. O imunologista alemão Johannes Scheid, pesquisador visitante no laboratório de Nussenzweig, constatou que não é isso que ocorre no organismo de pessoas que naturalmente conseguem conter o avanço do vírus.
Analisando amostras de sangue de seis pessoas cujo sistema imunológico evita a proliferação do vírus (são os chamados controladores de elite), Scheid constatou que elas produzem algumas dezenas de variedades distintas de anticorpos – uma espécie de coquetel natural de anticorpos – que se conectam a pontos diferentes do vírus, impedindo sua entrada nas células. “Com base nesses resultados, parece mais promissor tentar produzir uma vacina com ação mais global que simule o que acontece no organismo dos indivíduos que combatem o vírus naturalmente”, diz Nussenzweig. Ainda serão necessários anos de pesquisa até que se consiga uma vacina com essas propriedades, uma vez que ainda não se sabe, por exemplo, qual proporção de cada anticorpo seria necessária para neutralizar o HIV.