terça-feira, 25 de maio de 2010

Incêndios científicos sucedem incêndios em instituições científicas


Teve grande repercussão, inclusive na imprensa científica internacional, o incêndio ocorrido recentemente no Instituto Butantan. Uma grande coleção de ofídios e aracnídeos foi consumida pelas chamas. No ano passado, um grande incêndio ocorreu no Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia. O Prof. Caio Castilho no JC online registrava: “O Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (IQ-UFBA) sofreu na tarde do último sábado, dia 21 de março, um incêndio de significativas proporções. Vários laboratórios, notadamente os situados no último andar do prédio, foram severamente afetados.” texto completo aqui. No caso do Butantan os comentários foram numerosos.
Há vários aspectos técnicos a considerar. Porque os nossos prédios de instituições científicas não têm uma adequada infraestrutura para prevenção contra incêndio? Porque a manutenção é deficiente? Etc., e isto tem sido bastante tratado. Não abordarei estes aspectos. O que pretendo comentar é a reação da própria comunidade acadêmica após os incêndios físicos. Nos dois casos, há também um incêndio de atitudes por aflorarem problemas subjacentes de diferentes posturas em relação à visão de como realizar e promover a ciência.
As convulsões intestinas da UFBA fizeram que o processo de recuperação do Instituto de Química se prolongasse muito mais que o razoável. Dois meses após o incêndio do prédio, o Prof. Caio Castilho em outro texto no JC denunciava: Desde então, poucas providências práticas foram tomadas: ... escoramento de porções da estrutura do quarto e quinto andares, recuperação das calhas para águas pluviais que haviam sido parcialmente danificadas e uma ainda não concluída limpeza dos restos da queima. …Nada ainda foi sequer iniciado visando restabelecer o funcionamento da rede elétrica. … “O absurdo da circunstância remete à pergunta sugerida mais acima: A quem interessa este estado de coisas? A que serve este absurdo ou, talvez melhor, a quem serve?” … A única resposta plausível a tanta insensatez e irresponsabilidade é que tudo isto, pelo seu absurdo, interessa a alguém ou a alguns. Candidatos a coveiros no caso abundam.” texto completo aqui.
Pouco após o incêndio do Instituto Butantan o Dr. Érico Vital Brazil, presidente da Casa de Vital Brazil, publicou no 'Globo'.um artigo logo reproduzido no JC e-mail intitulado: A lógica reducionista da fábrica de soros. O artigo continha críticas à ênfase do Butantan na produção de vacinas e críticas à gestão do instituto. “Não se pode dar valor ao que não se conhece. Basta se observar a notória preocupação da imprensa em divulgar que a produção de vacinas não foi atingida por este trágico incêndio.” ... “Perguntamo-nos a quantas andam os indiciamentos dos responsáveis e as investigações sobre o desfalque de cerca de R$ 150 milhões da Fundação Butantan que veio à tona em setembro último. (...) Lamentavelmente (...), é impossível conter a indignação diante do descaso e do descuido da atual administração do Butantan em relação ao patrimônio histórico e científico que lhes foi entregue para gerir. Fez-se definitivamente o vazio inquietante. … Arderam vitoriosas as chamas das vaidades e das mesquinharias daqueles que tiveram até pouco e ainda têm o poder de decisão no Butantan, mais uma vez rejubilou-se a lógica reducionista da fábrica de soros e vacinas contra a qual Vital Brazil tanto lutou e resistiu.”
A resposta, também no JC, do Prof. Isaias Raw foi duríssima, como se pode depreender de alguns trechos, do artigo de Ricardo Mioto e Reinaldo José Lopes na FSP: "Aquilo [o acervo] é uma bobagem medieval. Você acha que a função do Butantan é cuidar de cobra guardada em álcool ou fazer a vacina para as crianças?", disse. Para ele, "não dá para cuidar das duas coisas".... "Se eles não receberam dinheiro é porque não mereciam. Eu recebo todo dinheiro que eu peço. A Fapesp deu aquele prédio. Eles fizeram uma merda naquele prédio. Nem compraram o alarme para incêndio, alarme para incêndio você compra na esquina hoje." Outros cientistas famosos apoiaram Isaias: "Não quero falar mal de colega, mas [o que Raw diz] é verdade. Desde o começo é uma herpetologia [estudo de répteis e anfíbios] de segundo grau", diz Paulo Vanzolini, 86, o mais importante zoólogo brasileiro vivo. "O Butantan nunca foi vanguarda cientificamente."
Se tomarmos o tom da discussão pós incêndio como um marcador da gravidade do acidente, o episódio do Inst. Butantan foi mais grave que o do Instituto de Química. Aproveitando o tom da crítica de Isaias, sobre a ciência de quinta, Herton Escobar escreveu um texto muito equilibrado no Estadão sobre como avaliar os cientistas e de que profissionais de ciência precisamos. Creio que ele acaba chegando no foco do incêndios verbais pós incêndios físicos. Como temos pouco apoio para ciência, a comunidade científica vive sempre “al borde de un ataque de nervios”. O desenvolvimento equilibrado da ciência necessita de vários perfis de profissionais e não somente de cientistas. Segundo Escobar: “A resposta “correta”, claro, é que precisamos de todos os tipos de cientistas. Precisamos de pesquisadores audaciosos, empreendedores, do tipo Craig Venter, que buscam descobertas revolucionárias e não perdem tempo com “picuinhas”. Precisamos de pesquisadores-professores inteligentes, que se dediquem a formar jovens cientistas competentes e fazer boas pesquisas, sem se preocupar necessariamente em ganhar um Prêmio Nobel. Precisamos também de bons cientistas curadores, educadores, expositores, oradores, escritores, divulgadores, que talvez nunca publicaram um trabalho de impacto, mas que sabem transmitir o conhecimento da ciência para o grande público de maneira inteligente, seja na forma de um livro ou de uma exposição, fazendo com que as pessoas entendam, apoiem e se entusiasmem pela ciência etc.” Discordo da denominação de cientistas que Escobar para outros perfis pertencentes ao campo científico, mas concordo com a análise.
Os incêndios físicos precisam ser prevenidos e evitados através de boa administração patrimonial, capacitação etc. Já os incêndios verbais na comunidade científica necessitam ser prevenidos através da compreensão de cada um dos diferentes perfis necessários para o progresso da ciência no país e através do financiamento adequado que reduza tensões desnecessárias.
Ilustração. A figura ilustra incêndios de instalações, para representar os da comunidade científica é necessário alterar a escala do eixo do x. A linha amarela pode representar o incêndio da instalação e a azul o da comunidade.




Adicionado no dia 26.V.2010
Para esclarecer um ponto não detalhado acima: A existência de um volume mais adequado de recursos não deve levar ao financiamento de atividades sem mérito. Mais recursos são necessários para financiar adequadamente as diversas atividades do campo científico, desde que atendidos os critérios de qualidade característicos de cada uma das atividades.

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