A prevalência de doenças infecciosas e parasitárias se correlaciona negativamente com a habilidade cognitiva, quando estas e outras variáveis são analisadas em diversos países.
“The negative relationship between infectious disease and IQ was statistically significant at the national level both worldwide and within five of Murdock's six world regions. All analyses showed that infectious disease was a significant predictor of average national IQ, ...”
Uma relação negativa entre doenças infecciosas e quociente de inteligência? Este é o tema de um artigo do Proceedings of the Royal Society B: Parasite prevalence and the worldwide distribution of cognitive ability (doi: 10.1098/rspb.2010.0973). Não é uma revista que leio regularmente e cheguei lá pelo artigo do The Economist: Mens sana in corpore sano, com o subtítulo “Parasites and pathogens may explain why people in some parts of the world are cleverer than those in others”.
Voltando ao estudo. Os autores testaram a hipótese que a prevalência de doenças parasitárias é um preditor de desempenho cognitivo. O embasamento é óbvio, a defesa contra as infecções e o desenvolvimento cerebral são ambos processos que consomem muita energia.
Embora sujeito a críticas, os quocientes de inteligência (QI) têm sido empregados largamente. Os autores empregaram o QI de 192 países e os analisaram em relação a vários parâmetros como o DALY (disability-adjusted life years; 1 DALY significa um ano de vida saudável perdido por 100.000 pessoas) devido a doenças infecciosas (o cálculo do DALY da OMS leva em conta 28 enfermidades e inclui tétano, malária, tuberculose, hepatite, sífilis e leishmanioses). Como índice nutricional, foi empregado o DALY decorrente de deficiências nutricionais (desnutrição proteico-calórica; deficiência de iodo; deficiência de vitamina A e anemia ferropriva).
Além das variáveis de saúde, foram também analisadas outros fatores já investigados para explicar a variação do QI. Entre elas: temperaturas médias dos invernos; taxas de alfabetização (percentagem da população >15 anos com pelo menos proficiência em leitura); dados de escolaridade e PNB per capita.
Uma variável bastante polêmica é a da distância em relação à África central, que havia sido publicada anteriormente. Os autores afirmam discordar deste parametro mas também o utilizam para comparação.
O resultado importante é que a correlação com DALY de doenças infecciosas e a média de QI do país foi mais elevada que qualquer outra testada. O gráfico (acima a versão mais elaborada visualmente publicada no The Economist) Um dado adicional que reforça o achado é o fato de que esta correlação se confirma quando a relação é feita em diferentes regiões do planeta. Ou seja, mesmo quando são reduzidas as disparidades culturais e históricas a correlação se mantém.
Os autores concluem:
“Our findings suggest that the heritable variation in intelligence may come from two sources: brain structure and immune system quality. Thus, two individuals may possess identical genes for brain structure, but have different IQ owing to differences in immune system quality reflecting their personal allocation of energy into brain development versus immunity.”
A conclusão, me parece, avança mais do que os dados permitem, talvez por isto os autores usam a expressão que os dados sugerem. O ponto principal é que a partir de uma correlação de variáveis, sujeitas a muitas influências, os autores favorecem uma relação causal, baseada na competição energética entre o sistema imune e a habilidade cognitiva. Os autores reconhecem isto, embora com pouca ênfase: “Although our results support our predictions, further studies must be done to establish causation. Longitudinal methods could be used to test this hypothesis on the individual level. Children's IQ could be measured at an early age and remeasured later in life, while monitoring for infectious diseases throughout childhood.”
Como interpretar esta conclusão? principalmente por quem vive em áreas com elevada prevalência de doenças parasitárias. Um aspecto importante é que esta interpretação muda o foco: não é o baixo QI que leva à pobreza, pois seriam as doenças associadas à pobreza que levariam à redução do QI. Logicamente, isto é bem mais susceptível à intervenção. Se a hipótese estiver correta, intervenções efetivas para limitar a carga de doenças infecciosas resultariam em aumento do QI das populações do países mais pobres.
Para os pesquisadores na área, ainda fica a possibilidade de mais um argumento para financiar as pesquisas no tema: Depois dos dados usuais sobre as pessoas expostas, o número de casos e de mortes, o impacto em DALYs, agora vamos colocar o impacto sobre a habilidade cognitiva.
Eppig, C., Fincher, C., & Thornhill, R. (2010). Parasite prevalence and the worldwide distribution of cognitive ability Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences DOI: 10.1098/rspb.2010.0973
Esta epidemiologia cada dia me surpeende mais. Essa associação de Inteligencia vs QI parece com aquela outra que me ensinaram em Bioestatistica: "Cor amarela no dedo indicador è significativamente associada a cancer de pulmão". Pois é mas não é a cor amarela mas as porcarias do cigarro que esta no dedo indice. Acho que os que desenharam o estudo no Mexico que devem de ter um QI que nem um parasita de malaria...
ResponderExcluirComo mencionado no post, a presença de correlação não garante associação causal. Pode existir aí uma terceira variável associada à variável preditora (infecção) e à variável desfecho (QI). Por exemplo, grau de desenvolvimento do país (nível sócio-econômico da população) provavelmente está associado aos dois e provova um link entre infecção e QI.
ResponderExcluirEste fator de confusào de agrava quando o estudo nào está avaliando indivíduos específicos, mas sim populações específicas. no gráfico, cada ponto é um país e não um indivíduo, o que aumenta a chance deste viés de confusão.
Por isso pergunto: os autores fizeram regressão linear múltipla, tentando ajustar para estas variáveis de confusão?
Bom exemplo para uma aula de estatística.