Post de Petter Entringer
Em 2008, Kang MA e colaboradores publicaram um trabalho onde verificaram que a ingestão de insulina presente no sangue humano pelo mosquito Anopheles stephensi, principal vetor da malária na Ásia, causa uma diminuição no tempo de vida desses insetos.
Em invertebrados a insulina, e peptídeos insulina-like, atuam através da cascata de sinalização IIS (insulin/insulin growth factor 1 signiling), que tem um papel central na regulação da imunidade inata e tempo de vida em uma grande variedade de organismos. A ligação desses agonistas ao receptor de insulina leva a uma série de eventos de fosforilação que inclui uma proteína quinase chave, a Akt.
A partir dos efeitos da insulina observados no midgut (intestino) do A. stephensi os autores imaginaram que a manipulação genética de componentes chaves da cascata IIS do mosquito poderia ser uma estratégia de interferência no tempo de vida do inseto, assim como no desenvolvimento do Plasmodium falciparum.
No último dia 15, a Plos Pathogens publicou estudo do mesmo grupo onde eles avaliam o tempo de vida e suscetibilidade a infecção por P. falciparum em A. stephensi geneticamente modificados. Os insetos expressam uma variante da Akt, que está constantemente ativada, sob controle de um promotor específico do midgut. Activation of Akt signaling reduces the prevalence and intensity of malaria parasite infection and life span in Anopheles stephensi mosquitoes. (Volume 6, Issue 7, e1001003; doi:10.1371/journal.ppat.1001003)
A atividade da Akt aumentada no epitélio do midgut de uma linhagem heterozigótica levou a redução tanto no percentual de insetos infectados por P. falciparum – de uma média de 58,5% para 10.5% – quanto no número de oocistos no midgut de mosquitos infectados, que diminuiu 95%. Em uma linhagem homozigótica, de dupla expressão transgênica da Akt, a infecção dos mosquitos pelos parasitas foi completamente bloqueada após a ingestão de sangue infectado.
A taxa de fecundidade dos insetos transgênicos não foi alterada em relação aos selvagens.
A expressão da Akt diminuiu o tempo de vida dos mosquitos transgênicos. Aqueles alimentados apenas com açúcar tiveram uma redução próxima de 20% comparados com os não transgênicos – de uma média de 23,02 para 18,85 dias. Os transgênicos que ingeriram sangue tiveram seu tempo médio de vida diminuído cerca de 18% – de 21,32 para 17,44 dias. Ou seja, a diminuição do tempo de vida ocorreu independente da alimentação com sangue.
Visto que após a alimentação de uma fêmea em um hospedeiro vertebrado infectado, um parasita leva em média 16 dias para atingir a glândula salivar sob a forma de esporozoitos, o inseto tem de viver no mínimo o mesmo tempo para se tornar capaz de transmitir P. falciparum em um novo repasto sanguíneo. Isto é, apenas os insetos mais velhos possuem competência vetorial. Logo a diminuição no tempo de vida do mosquito pode interferir neste ciclo e diminuir a transmissão da malária. E de maneira mais acentuada em uma linhagem que é menos suscetível ao parasita.
Esta abordagem que emprega mosquitos geneticamente modificados que são refratários a infecção por plasmódios não é inédita. Já foi empregada por outros grupos, inclusive por brasileiros (Ito J et al, 2002; Moreira LA et al, 2002). No entanto constitui o primeiro exemplo de uma única molécula efetora, em um mosquito transgênico, que bloqueia completamente a invasão pelo plasmódio.
Esses estudos em geral visam obter linhagens de mosquitos que ao serem introduzidas no meio ambiente substituiriam os insetos selvagens e competentes interferindo assim na transmissão da malária.
Estratégias como estas, além de ser alvo de inúmeras discussões na comunidade científica, implicam na obtenção de insetos que apresentem vantagens sobre as populações naturais e que possam superá-las numa eventual seleção natural.
Os próprios autores apresentam estes desafios e vislumbram a possibilidade de linhagens transgênicas com multi-fatores, que incluam além da maior atividade da cascata IIS e da diminuição do tempo de vida, uma maior fecundidade.
Corby-Harris, V., Drexler, A., Watkins de Jong, L., Antonova, Y., Pakpour, N., Ziegler, R., Ramberg, F., Lewis, E., Brown, J., Luckhart, S., & Riehle, M. (2010). Activation of Akt Signaling Reduces the Prevalence and Intensity of Malaria Parasite Infection and Lifespan in Anopheles stephensi Mosquitoes PLoS Pathogens, 6 (7) DOI: 10.1371/journal.ppat.1001003
Ito J, Ghosh A, Moreira LA, Wimmer EA, Jacobs-Lorena M (2002) Transgenic anopheline mosquitoes impaired in transmission of a malaria parasite. Nature 417: 452–455.
Kang MA, Mott TM, Tapley EC, Lewis EE, Luckhart S (2008) Insulin regulates aging and oxidative stress in Anopheles stephensi. J Exp Biol 211: 741–748.
Moreira LA, Ito J, Ghosh A, Devenport M, Zieler H, et al. (2002) Bee venom phospholipase inhibits malaria parasite development in transgenic mosquitoes. J Biol Chem 277: 40839–40843.
Legal Petter! Nesse vale-tudo contra parasitas, essa abordagem parece bem interessante e viável para controlar infecções em áreas endêmicas. DW
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