Post de Petter Entringer
O intestino dos insetos abriga uma grande quantidade de bactérias comensais. Em insetos hematófagos, durante a digestão do sangue as bactérias comensais proliferam de forma acentuada. Células epiteliais do midgut (intestino médio) desses insetos têm de proteger o hospedeiro de organismos patogênicos, mas sem ativar respostas imunes contra a microbiota comensal.
Em muitos insetos hematófagos, em resposta a ingestão de sangue, o midgut secreta a matriz peritrófica. Esta matriz é acelular, formada por uma camada semipermeável de polímeros de quitina que envolve o sangue ingerido e previne o contato direto de células sanguíneas e bactérias intestinais com células epiteliais do midgut. Nesses insetos ocorre também a secreção de mucinas no espaço entre a matriz peritrófica e o epitélio do midgut.
Sanjeev Kumar e colaboradores publicaram um estudo na Science onde caracterizaram um sistema que envolve uma peroxidase imunoregulatória (IMPer) e uma dual oxidase (Duox) no epitélio intestinal do Anopheles gambiae, mosquito transmissor da malária – A peroxidase/dual oxidase system modulates midgut epithelial immunity in Anopheles gambiae. Science, 237, 1644-1648 DOI: 10.1126/science.1184008. Dual oxidases são proteínas transmembranas que geram peróxido de hidrogênio, um substrato de peroxidases, como a IMPer. Essas enzimas estariam relacionadas a uma resposta a ingestão de sangue, catalisando ligações cruzadas entre proteínas na camada de mucinas, que diminuiria a permebealidade a ativadores imunológicos e preveniria uma resposta imune contra bactérias e ao Plasmodium.
Os autores verificaram que IMPer tem um pico de expressão,assim como de atividade, 12h após a alimentação. IMPer está localizada principalmente ao redor do bolo alimentar. Ao injetarem RNA dupla fita (dsRNA) com sequência de uma região do gene IMPer em fêmeas adultas do mosquito, houve uma dimunuição acentuada da expressão desse gene no midgut, após a alimentação. Interessantemente, quando a expressão de IMPer foi diminuída, a proliferação de bactérias no intestino do inseto – que em condições normais aumenta cerca de 5X até 30 horas após a alimentação – também decaiu, indicando que esta peroxidase é necessária para a sobrevivência das bactérias intestinais. Genes ligados a resposta antibacteriana no intestino – cecropina, proteína reconhecedora de peptídeo glicano S3 (PGRP-S3), PGRP-LB e hemeperoxidase 8 (HPX8), tiveram a expressão aumentada quando a IMPer foi silenciada, ao contrário da NO sintase (NOS) que não foi alterada. O aumento na expressão desses genes não ocorreu quando os insetos foram tratados com antibióticos antes de se alimentarem. Ou seja, na ausência de bactérias a resposta imune não foi elicitada, mesmo quando IMPer foi silenciada.
Esse efeito microbicida, associado ao silenciamento de IMPer foi também observado sobre Plasmodium beghei e P. falciparum. A presença de oocistos de ambos parasitas no intestino foi diminuída consideravelmente, inclusive quando os insetos foram pré-tratados com antibióticos (eliminação de bactérias intestinais), sugerindo que esse efeito não se deve a ativação de respostas antibacterianas. Por outro lado, nessa situação a expressão da NOS, geradora de óxido nítrico – um potente efetor antiplasmodial – aumentou consideravelmente. Esses resultados indicaram que a IMPer é necessária para os parasitas se desenvolverem no midgut sem ativar vias de imunidade que regulam a expressão de NOS. Na ausência dessa peroxidase, as células epiteliais seriam capazes de detectar moléculas provenientes do Plasmodium – possivelmente glicosilfosfatidilinositol – que levam a ativação da expressão de NOS. De fato, quando a NOS foi silenciada os oocistos de P. falciparum no intestino de A. gambiae não diminuíram, mesmo quando IMPer foi silenciada.
Também foi verificado que dual oxidase é importante para a sobrevivência de Plasmodium no midgut. Quando a Duox foi silenciada, na ausência ou presença de bactérias, ocorreu uma diminuição acentuada no número de oocistos no midgut. Na presença de antibióticos, o silenciamento da Duox não induziu a expressão dos genes antibacterianos, ao contrário da NOX que foi induzida fortemente. Os autores concluíram que tanto a IMPer quanto a Duox são necessárias para prevenir a ativação de respostas do midgut a ativadores imunológicos de Plasmodium.
IMPer e Duox são conhecidas como mediadoras de ligações cruzadas entre proteínas, através da formação de ligações ditirosinas. Assim, frente aos resultados obtidos os autores propuseram um mecanismo de ação do sistema IMPer/Duox (Figura abaixo).
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