quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Produção cientifica: Brasil vs Russia.




A Thomson Reuters divulgou ontem (26 de janeiro) um Global Research Report sobre a Russia. Isto faz parte da série Global Research Reports, na qual já sairam volumes sobre o Brasil (Junho 2009), India (Outubro 2009) e China (Novembro 2009). Assim, se completa o ciclo dos relatórios sobre os BRIC.
O relatório diz:
“Over a recent five-year period, Russia produced roughly 127,000 papers in all fields of science, accounting for approximately 2.6% of the world’s papers published in journals indexed by Thomson Reuters. For comparison, this is more than Brazil (102,000 papers, 2.1% of world) but less than India (144,000 papers, 2.9%) and far less than China (415,000 papers, 8.4%). Looking around the world, it is also less than Australia (150,000 papers, 3.0%), Canada (232,000 papers, 4.7%) and only slightly more than the Netherlands (125,000 papers, 2.5%).”
Aqui gostaria de fazer o primeiro comentário. A BBC Brasil hoje divulga isto (com chamada na primeira página do seu sítio)  como: “Produção científica do Brasil ultrapassa a da Rússia, indica levantamento” Poderia ser outro levantamento, mas não é: “A produção científica brasileira ultrapassou a da Rússia, antiga potência na área, caminha para superar também a da Índia e se consolidar como a 2ª maior entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), segundo levantamento feito pela Thomson Reuters.”. 
Fico preocupado com a qualidade do servico da BBC Brasil. O texto que reproduzi acima (“… Russia produced roughly 127,000 papers in all fields of science, accounting for approximately 2.6% of the world’s papers published in journals indexed by Thomson Reuters. For comparison, this is more than Brazil (102,000 papers, 2.1% of world)…” consta logo na página 5 do relatório. Só para lembrar, há pouco critiquei em tema bastante diverso o trabalho da BBC Brasil no post: Como não dar uma notícia científica”).
Fico preocupado também que a imprensa local reproduza esta informação sem checar a fonte. A FSP de hoje diz “Produção científica russa perde volume e é ultrapassada”: “Dados oriundos das principais publicações científicas do mundo documentam a queda de um gigante: a Rússia. Em sua encarnação soviética, o país assustava os EUA e forçou o Ocidente a correr atrás do prejuízo em áreas como ciências espaciais e física. Mas, em números absolutos, sua produção de pesquisas está estacionada no nível que tinha nos anos 1980, enquanto China, Brasil e Índia agora ultrapassam os russos.” Eles leram o relatório ou a notícia da BBC Brasil???

Contudo não é difícil entender onde está o aspecto lido e divulgado erroneamente. O Brasil apresenta um crescimento maior da produção científica. Confira a Figura 2 do relatório (ao lado). A curva de crescimento do Brasil é mais inclinada, bem mais inclinada. O que demonstra é que comparado com os valores de 1981, o crescimento da produção científica do Brasil foi maior que da Russia e India.


Dizer que o crescimento da produção científica foi maior que a da Russia e India é uma boa notícia, mas deve ser tomada cum grano salis. A India ultrapassou a Russia e o Brasil na produção científica, mas a sua curva de crescimento é baixa. Confira a também Figura 2 mas do relatório sobre o Brasil (abaixo). Neste parâmetro, superamos EEUU, Japão, Alemanha, Reino Unido além de Mexico e Argentina. Só para lembrar: A produção científica americana foi de 332.916 artigos em 2008  e a do Brasil foi de 17.500, mas a nossa curva de crescimento é maior. Pelo critério da BBC-Brasil e da FSP também poderíamos dizer que superamos os EEUU.

Interpretar um maior crescimento como um maior numero já sai do terreno do otimismo para um fenômeno típico do Dr. Pangloss. Não custa lembrar que paises com elevada produção científica têm menor chance de crescer rapidamente. Numa simplificação excessiva: um país Y que tivesse 1 artigo em  2008 e passasse para uma produção de 200 artigos cinco anos depois, teria crescido 200 vezes. Um crescimento de 2 vezes na produção dos EEUU significaria passar de 332.916 para 665.832. Ou seja, a diferença no número de publicações, neste período, teria aumentado de 332.915 artigos em 2008 para 665.632 artigos após 5 anos, mas o crescimento do país Y teria sido bem maior (200 vs 2). 
Ou seja, a notícia do crescimento científico do Brasil é boa, e deveremos ultrapassar a produção da Rússia em breve, porém convém evitar o otimismo panglossiano.
 Ilustração do post.

9 comentários:

  1. Oi Barral
    Fato é que ficamos melhor que os outros BRIC se considerar produção "per capta".
    Mas acho que o maior desafio é elevar o impacto de nossas publicações.
    Esper

    ResponderExcluir
  2. O problema do impacto das nossas publicacoes passa por questoes muitas vezes maiores do que a qualidade dos nossos trabalhos. Como ja foi comentado neste Blog, ha sim um preconceito importante por parte de editores das revistas de maior impacto. Muitas vezes as as criticas que vem delas mostram falta de atencao na leitura dos trabalhos, nitidamente de denotando desinteresse. Isso eh frustante. A mudanca nesse panorana vira lentamente na medida em que o pais mostrar por diversos meios que pode manter alto nivel de investigacao cientifica.

    ResponderExcluir
  3. Lembra a comparação de risco relativo e risco absoluto. O absoluto reflete mais a realidade. De qualquer forma, estamos evoluindo.

    ResponderExcluir
  4. Caro Barral

    Eu sou um otimista. Acho que a Ciência brasileira está crescendo e continuará crescendo. Mas o uso de números frios para medir esse crescimento não ajuda muito. Por exemplo, a curva do Brasil no gráfico do "volume", na primeira figura acima, está perigosamente parecida com uma parábola de eixo horizontal e vértice em 2007. Daí em diante, essa curva nos manda de volta para o passado...
    :-)
    abraços
    Rafael

    ResponderExcluir
  5. Interpretação de gráficos/dados e leitura crítica não tem sido o forte da educação no Brasil há décadas. Por exemplo, qual o número de mestres/doutores (# absoluto/relativo), co-responsáveis por este glorioso crescimento brasileiro, conseguem interpretar os gráficos do relatório ou simplesmente ler matéria do BBC e perceber que algo está estranho? Também sou um otimista, não me entendam mal. :-)
    Abços,
    André

    ResponderExcluir
  6. O Prof Barral está correto. Lí a notícia na Folha e comentei como ela era superficial. São poucos os jornalistas científicos no Brasil que são capazes de analisar criticamente os dados que recebem das agências de notícia. Neste caso específico o Prof. Barral, com a clareza que é peculiar, fez um excelente trabalho. Parabéns novamente seu blog é excelente.

    ResponderExcluir
  7. E, por incrível que possa parecer, números ainda continuam encantando os H. sapiens. Pouco significam; qual o resultado sócio/educacional dessas "ciências"? E muitos dos pesquisadores dos bric, [brac ou bruc], seja lá o que for, infelizmente, seguem na máxima dos competitivos, como se a ciência, ou a vocação de exercê-la, se refletisse em números. Indicadores para o DESENVOLVIMENTO?Reconhecedor de minha condição de Homo pré-sapiens, constato que vive-se o ESQUECIMENTO global e muitos dos pesquisadores continuam competindo, impactando...

    ResponderExcluir
  8. Esse é um resultado importante no aspecto quantitativo, pois no qualitativo, estamos abaixo da média mundial (número de citações), mas para ilustrar essa disparidade, seguem três fatos que devemos investigar com mais clareza, a qualidade da produção científica brasileira é baixa?, existe um "preconceito" relacionado a pesquisa feita no Brasil? ,ou as nossas revistas e periódicos tem pouca visibilidade.

    ResponderExcluir
  9. De fato, a época em que mais se produzia e publica conteúdo científico foi durante a União Soviética.
    Se economicante e socialmente sou liberal, cientificamente sou soviético. É amor e ódio!

    ResponderExcluir