Post de Ivan Nascimento
O estudo recentemente publicado na Nature Medicine por pesquisadores do Canadá mereceu destaque e comentário publicado online neste mês de abril. Flach et al. deram um importante passo no entendimento de como o adjuvante Alum funciona. Devo ressaltar que, embora a descrição e os comentários sejam ótimos, a leitura do artigo original é muito importante para se obter uma visão mais ampla dos resultados, seja pela abrangência ou limitações, e é obrigatória para quem trabalha na área.
Alum, devido a sua segurança e propriedade de aumentar a resposta imune humoral, é o adjuvante mais comum na maioria das vacinas profiláticas de uso humano. No entanto, o seu vasto uso ao longo da história, desde 1921, contrasta com o pouco conhecimento que temos sobre o seu mecanismo de ação. Por outro lado, o entendimento desse mecanismo é de extrema importância para o desenvolvimento de novas vacinas. Os primeiros trabalhos tentaram explicar o seu mecanismo através da formação de um depósito de Alum com o antígeno no local da injeção, favorecendo assim a entrada, processamento e apresentação do antígeno. No entanto, essa hipótese não é consistente com recentes observações experimentais, as quais mostram que este depósito no sítio de aplicação pode ser rapidamente desfeito sem nenhum comprometimento do efeito adjuvante. Já experimentos in vitro têm apontado que Alum aumenta a entrada do antígeno em células dendríticas (DCs), explicando em parte a atividade adjuvante pela propriedade de entregar o antígeno. Abordagens que levam em conta a conexão entre a sinalização da resposta imune inata seguida pela resposta imune adaptativa também têm sido exploradas, tentando relacionar uma ligação potencial entre o efeito adjuvante de Alum e a habilidade deste em disparar a resposta imune inata por meio de receptores. No entanto, diferente dos efeitos agonistas apresentados pelos receptores de Toll-like (TLRs), o efeito adjuvante de alum é independente desta via. Trabalhos recentes também sugerem a ativação de inflamassoma pela via Nalp3, porém outros trabalhos não têm dado suporte para uma função do inflamassoma como um alvo primário de Alum.
No artigo supracitado os autores mostram que cristais de Alum se ligam a motivos de lipídeos da membrana de DCs promovendo uma seleção destes lipídeos. Esse evento então dispara transdução de sinais intracelulares que leva ao início de uma resposta imunológica. Os dados também levaram a uma hipótese inesperada e contra-intuitiva, de que Alum promove a entrada do antígeno sem, no entanto, ser internalizado pelas células apresentadoras de antígenos (APCs). Esses achados aumentam o entendimento das propriedades biológicas de Alum e revelam um mecanismo até então desconhecido, uma estimulação promovida pela interação de Alum preferencialmente com lipídeos ao invés de receptores de proteínas. Isso traz novas idéias que podem ajudar no desenvolvimento de novas vacinas.
Flach et al. usaram uma sofisticada ferramenta que mede a força de atração ao nível microscópico, que foi capaz revelar a força e seletividade da ligação entre Alum e DCs. Além disso, através de ensaios bioquímicos, revelaram que lipídeos específicos da membrana, tais como esfingomielina e colesterol, eram mediadores chave dessa interação e que para manter essa associação é necessária a ativação das quinases Syk e PI3K. Esses dados sugerem que a seleção dos lipídeos induzidos pela ligação de Alum na membrana plasmática de DCs induz uma aglomeração de receptores contendo ITAM, os quais então ativam a via Syk e PI3K através de uma cascata de fosforilação (Fig. 1).
(a) Interação de cristais de Alum com os lipídeos esfingomielina e colesterol na membrana plasmática de DCs no sítio de administração da vacina induz a agregação de receptores contendo ITAM e sinalização por Syk e PI3K abaixo na cascata. (b) Antígenos são internalizados pelas DCs na ausência de internalização do Alum. Ao mesmo tempo, as DCs aumentam a expressão de MHC II, ICAM-1 e de moléculas co-estimulatórias tais como CD80 na sua superfície celular. (c) DCs ativadas, carregadas com antígeno se dissociam dos cristais de Alum e migram para os linfonodos, onde elas ativam células CD4+ antígeno-específicas, as quais promovem respostas imunes humorais. TCR, T cell receptor. Fonte: Mbow, M.L, De Gregorio, E. and Ulmer, J.B. (2011) Alum's adjuvant action: grease is the word. Nat. Med. 17, 415–416.
Esses autores elegantemente identificaram a função de outra quinase, uma quinase regulada por sinais extracelulares (ERK), nos efeitos seletivos de Alum sobre DCs. A fosforilação de ERK foi retardada em DCs após tratamento com Alum, permitindo assim uma interação bem-sucedida entre DCs e Alum. No entanto, em outras células do sistema imune, tais como macrófagos, a fosforilação de ERK se deu já no início dessa interação ou foi constante durante todo o período, tornando-as assim refratárias ao efeito de Alum. Um resultado inesperado foi que os cristais de Alum, embora se liguem fortemente a DCs, não entram nestas células e ainda promovem uma ação abortiva dessa fagocitose por meio da regulação diferencial de ERK nas DCs quando comparado com outros tipos de células. Ainda assim, a entrada do antígeno é facilitada por Alum, sugerindo que os antígenos são internalizados pelas DCs por uma via que não envolve fagocitose. Esses dados contrastam com um estudo prévio mostrando que o complexo Alum-antígeno se co-localiza em vesículas intracelulares de macrófagos de camundongos e que a presença de Alum desestabiliza o fagossoma, levando a ativação do inflamassoma. No entanto, é possível que macrófagos e DCs tenham habilidades diferentes para internalizar os cristais de alumínio.
A etapa seguinte foi avaliar a reação das DCs à ligação de Alum na superfície celular, levando ao aumento da expressão de moléculas co-estimulatórias (CD80 e CD86) e da molécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1), uma molécula chave que promove uma forte interação entre células dendítricas e células T CD4+ via integrina LFA-1. Essas observações podem ajudar a explicar porque Alum é um forte indutor da resposta imune humoral, uma vez que a inibição de fagocitose mediada por DCs poderia facilitar a entrada endocítica de antígenos solúveis para processamento e apresentação por moléculas do complexo MHC classe II na superfície de DCs e a conseqüente promoção da resposta de células B via células T CD4+.
MBow et al. terminam o comentário dizendo que apesar do enorme sucesso de Alum como adjuvante já se sabe que este não é a solução universal para todas as vacinas. Isto se aplica aos casos onde é necessária a indução de uma potente resposta celular tipo Th1 e de linfócitos T citotóxicos, importantes contra câncer e infecções crônicas. No entanto, há espaço para melhorar Alum como adjuvante. Uma estratégia de sucesso tem sido incluir agonistas de TLR para fornecer uma estimulação direta da imunidade inata como um reforço para facilitar a entrega do antígeno.
Um melhor entendimento dos mecanismos que levam ao aumento do efeito da resposta imune pelos adjuvantes é necessário para o desenho racional de vacinas mais seguras e efetivas contra doenças infecciosas antigas e emergentes. Os achados de Flech et al. representam um importante passo nesta direção.
Referências:
Flach, T., Ng, G., Hari, A., Desrosiers, M., Zhang, P., Ward, S., Seamone, M., Vilaysane, A., Mucsi, A., Fong, Y., Prenner, E., Ling, C., Tschopp, J., Muruve, D., Amrein, M., & Shi, Y. (2011). Alum interaction with dendritic cell membrane lipids is essential for its adjuvanticity Nature Medicine, 17 (4), 479-487 DOI: 10.1038/nm.2306
Mbow, M.L, De Gregorio, E. and Ulmer, J.B. (2011) Alum's adjuvant action: grease is the word. Nat. Med. 17, 415–416.
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