segunda-feira, 18 de maio de 2009

Qual deveria ser a principal preocupação com a gripe?

Texto do Dr. Esper Kallas

Quando o assunto é gripe, historiadores e cientistas nos fazem relembrar o cenário dantesco causado pela chamada Gripe Espanhola, que assolou a humanidade no início do século 20. Naquela época, a doença se espalhou para todos os cantos do mundo e deixou, em estimativas imprecisas, algo que pode estar entre 20 e 100 milhões de mortos.

Muitos suspeitam que aquela cepa de influenza, que levou a taxas estimadas de mortalidade ao redor de 2% dos infectados, possuía características que a tornaria “hipervirulenta”, levando a um quadro de rápida insuficiência respiratória, em consequência da síndrome de angústia respiratória do adulto (também conhecida como “pulmão de choque”). Tudo isso ocasionado por um fenômeno que está sendo batizado de cytokine storm, caracterizado por uma avalanche de citocinas inflamatórias induzidas pelo vírus, principalmente produzidas por macrófagos.

Várias análises mais recentes, entretanto, colocam em questionamento a noção da maior agressividade do vírus influenza daquela epidemia. Em recente artigo, Gupta e cols. culpam a pneumonia como a principal causa das mortes em uma eventual epidemia. A pneumonia bacteriana, como também a sepse associada, acompanha a trilha da gripe. Todos nós sabemos que o influenza abre caminho para uma alteração significativa do trato respiratório, minando as defesas naturais e criando um nicho fértil para ser ocupado por bactérias como o Streptococcus pneumonia, Staphylococcus aureus, entre outras.

Em artigo de 2006, Brundage também evidencia a mesma questão. As ocorrências sazonais e as grandes epidemias têm sua mortalidade fortemente associadas à pneumonia, o que pode ter sido verdade mesmo na epidemia da Gripe Espanhola. Esses dados nos obrigam a reformular estratégias para a melhor abordagem no combate a uma possível grande epidemia, inclusive na eventual disseminação do vírus A (H1N1), que ganhou todos as manchetes de saúde recentemente.

Muito se falou dos antivirais com atividade contra o influenza disponíveis comercialmente: oseltamivir e zanamivir. O que se viu foi uma corrida às farmácias e a criação de estoques estratégicos por diversos governos. É preciso, entretanto, esclarecermos alguns pontos a respeito dessas medicações. Primeiro, elas não impedem a infecção pelo influenza. Podem, no máximo, diminuir o pico da viremia e reduzir a duração dos sintomas e suas complicações. Segundo, é necessário que sejam administradas precocemente, caso contrário não surtem o efeito desejado. Terceiro, ainda não se conhece a capacidade deste vírus em desenvolver resistência, já documentada em outras ocasiões, inclusive na gripe aviária (Hurt e cols.). Por fim, revisão recente da Colaboração Cochrane questiona o uso dessas drogas em casos de gripe sazonais, ou seja, fora de epidemias, por falta de demonstração de efetividade (Jefferson e cols.). Não há certeza de sua efetividade numa epidemia.

Mais importante, contudo, é assegurar o tratamento adequado das complicações e garantir acesso aos antibióticos e medidas de suporte para o tratamento das pneumonias e suas complicações. Esse, acredito, deveria ser o foco das ações preparatórias para uma eventual epidemia. Basta fazer algumas contas para verificar que o número de pacientes com necessitando de tratamento pode sobrecarregar o sistema de saúde e colocar em risco nossa capacidade em absorver tal demanda.

É preciso lembrar das bactérias como um problema central no combate à gripe, especialmente quando o número de casos atingir centenas de milhares ou milhões.

Gupta RK, George R, Nguyen-Van-Tam JS. Bacterial pneumonia and pandemic influenza planning. Emerg Infect Dis. 14(8):1187-92, 2008.

Brundage JF. Interactions between influenza and bacterial respiratory pathogens: implications for pandemic preparedness. Lancet Infect Dis. 6(5):303-12, 2006.

Hurt AC, Selleck P, Komadina N, Shaw R, Brown L, Barr IG. Susceptibility of highly pathogenic A(H5N1) avian influenza viruses to the neuraminidase inhibitors and adamantanes. Antiviral Res. 73(3):228-31, 2007.

Jefferson TO, Demicheli V, Di Pietrantonj C, Jones M, Rivetti D. Neuraminidase inhibitors for preventing and treating influenza in healthy adults. Cochrane Database Syst Rev. 2006 Jul 19;3:CD001265.

Ilustração.

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