Todos sabem que no futebol é muito comum um incentivo financeiro extra para os jogadores em partidas decisivas, o “bicho”. Eu ainda não tinha ouvido falar de “bicho” na ciência, ou seja uma retribuição financeira direta por cada publicação. Um artigo este mês de abril na revista Learned Publishing “The outflow of academic papers from China: why is it happening and can it be stemmed?” comenta sobre este tipo de incentivo na ciência.
A China exibe um crescimento científico muito marcante em praticamente todos os campos do conhecimento. Já é o segundo maior país em produção científica e deverá ultrapassar os EEUU em breve.
Apesar deste crescimento, as revistas científicas chinesas ainda não são reconhecidas como de elevada qualidade o que motiva um forte interesse chinês em publicar nas revistas líderes e que apresentem indexação internacional como o Science Citation Index (SCI), Engineering Index (EI) ou o Index to Scientific & Technical Proceedings (ISTP). Interesse, na China, parece diretamente relacionado com estímulo financeiro e universidades como a Zhejiang University têm uma tabela de “prêmios” para publicação, baseada no fator de impacto (IF de impact factor). Convertida em dólares e reais a tabela fica:
Categoria | USD | R$ |
Indexada no ISTP | 92 | 144.35 |
Indexada no EI | 275 | 433.06 |
FI < 1 | 306 | 481.18 |
1 ≥ IF < 3 | 458 | 721.77 |
3 ≥ IF < 5 | 611 | 962.36 |
5 ≥ IF < 10 | 764 | 1,202.95 |
IF ≥ 10 | 2.139 | 3,368.26 |
Science ou Nature | 30.562 | 48,118.05 |
Qual o salário de um pesquisador na China? este incentivo é dado acima do salário? Estas questões não são tratadas no artigo.
Fica claro que os chineses adotaram uma clara perspectiva de marcado na ciência. É isto que fez com que eles aumentassem tanto as publicações? Não me parece que este seja o maior fator fator responsável e pode levar a alguns problemas:
Porque valorizar apenas o fator de impacto? Já temos tratado da limitação de supervalorizar qualquer métrica científica (aqui). Todos sabem que a forma de avaliação tem um efeito direto sobre a conduta da comunidade científica. Quando é dada muita importância a um único aspecto é provável que se desenvolvam mecanismos, nem todos eles desejáveis ou mesmo lícitos, para apresentar um bom desempenho. Um artigo da Science, já antigo (aqui) indicava:
Um incentivo desproporcional ao salário regular pode estimular a fraude. Não à toa, há frequentes e graves casos de fraude e má-conduta científica vindos da China (veja comentário anterior aqui).
“There are ways of accumulating citations that have little to do with scientific value. The simplest way of circumventing the hurdle of productivity enhancement is the formation of citation cartels. One’s account of citations can also be augmented without enhancing one’s productivity by playing off one’s power as an editor or referee. Why not suppress papers submitted for publication as long as the authors do not understand to whom they owe a citation?”
O artigo trata também da qualidade das revistas chinesas:
“the service provided by Chinese journals is not satisfactory. This is manifest as:
(i) the processing of papers is slow;
(ii) reviewers take a long time to review; and
(iii) publication times are very long.”
(i) the processing of papers is slow;
(ii) reviewers take a long time to review; and
(iii) publication times are very long.”
Para tornar o quadro mais parecido com o Brasil, há muitas revistas na China (4.600 segundo os autores, embora só 200 em inglês) e muitas delas, até pela barreira linguística, com pouca penetração internacional.
Nada contra incentivar os cientistas a publicar bem. O estímulo é necessário, mas é necessário que o sistema seja equilibrado para que não leve a mais problemas que soluções.
Shao, J., & Shen, H. (2011). The outflow of academic papers from China: why is it happening and can it be stemmed? Learned Publishing, 24 (2), 95-97 DOI: 10.1087/20110203
Barral, a Unesp tb está dando um prêmio, creio que 15 mil reais, para artigo de seus docentes na Science ou Nature. Isso não é unânime na comunidade unespiana. Acrescento: isso foi decidido pelo ex-reitor e eu o considero mto bom. O que vc acha disso?
ResponderExcluirA questão assume outro nível e não dos melhores, em minha opinião. A tremenda questão será quanto vale se for capa? Vai ter jeton para a editoria....?
ResponderExcluirComo escrevi ao final do post, não sou contra incentivar a excelência, mas o sistema deve ser equilibrado. Como o valor do incentivo se relaciona ao salário regular, por exemplo.
ResponderExcluirUm outro aspecto é porque escolher somente Science e Nature? Não é importante publicar na Cell ou na New England Journal of Medicine, que possuem fator de impacto maior que a Nature?
Convenhamos meus caros e caras, essa lógica de incentivo nesta linha de "bicho" só pode apontar que num futuro próximo, "o bicho vai pegar". É a inversão total de tudo que entendemos por ciência. Na verdade, minha frase não está boa: entendemos? quem somos esse nós aí, não é verdade? Temos nós e nós... Isso é ainda vai dar muito nó!
ResponderExcluirEu acho que é o tipo de situação que pode gerar conflito de interesse entre os próprios autores, como redistribuir o prêmio entre eles? Um pode achar que trabalhou mais do que outro. Sou a favor do prêmio desde que seja para o laboratório, revertido em compra de reagentes ou financiamento de estudantes para congressos/cursos etc.
ResponderExcluirSe eu tiver um MS pronto pra ir para a Nature ou Science, eu gostaria de ter um prêmio. Se não, sou contra rsrsrsrssr
ResponderExcluirABraço