Post de Caio Mário Castro de Castilho
Algum tempo atrás, não faz muito, um ilustre pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) afirmava, em tom de lamento: “A atividade de pesquisa na UFBA é uma questão de foro íntimo”. Na primeira vez em que ouvi esta frase achei estranho. Afinal de contas, não seria de se esperar que a pesquisa fosse uma das atividades essenciais de uma Universidade Contemporânea? Por que, então, entre nós, a pesquisa tornou-se uma questão colocada em termos individuais? Seria uma atividade exercida apenas a partir de um desejo individual? Não institucionalizada? No momento em que seis docentes apresentam-se à comunidade acadêmica como candidatos aos cargos de reitor e de vice-reitor desta Universidade, é essencial uma reflexão sobre a situação em que se encontra a atividade de pesquisa na UFBA e o que podem esperar pesquisadores e grupos de pesquisa dos candidatos à nova gestão.
O tempo passou e, cada vez mais, com relutância, percebo-me rendendo-me à força dos fatos, das circunstâncias e dos métodos. Reconheço, enfim, a urgência de que uma institucionalização da pesquisa venha a ser, de fato, buscada pelos próximos gestores.
A UFBA aprovou, muito recentemente, um novo regimento, em que há significativo aumento na carga didática docente. A carga mínima de 12 horas, para docentes em regime de Dedicação Exclusiva (DE), certamente não é elevada para docentes não envolvidos em pesquisa e pós-graduação. No entanto, para um docente vinculado a uma pós-graduação, com atividade regular na formação de Doutores, de Mestres e com alunos de Iniciação Científica, esta carga didática, em sendo, de fato, adotada, como se ameaça, constitui mais que uma ameaça: é uma sentença de morte. Mas esta é apenas uma primeira ameaça. Existem outras.
Relacionadas ainda às alterações recentes na legislação da UFBA estão as mudanças que órgãos específicos de pesquisa já sofreram e ainda outras, constituindo ameaça, as quais não se sabe a que destino hão de chegar. Neste caso encontram-se, por exemplo, o Centro de Recursos Humanos (CRH), o Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (NEIM), o Centro de Pesquisa em Geofísica e Geologia (CPGG), o Centro de Estudos Interdisciplinares em Energia e Ambiente (CIENAM), entre outros. Estes Centros/Núcleos, de distintas formas, pois não possuem características idênticas, justamente consequência das suas particularidades, inclusive temáticas, foram vitimados por uma postura ao mesmo tempo centralizadora e renunciatária das instâncias centrais da Universidade. Perderam ou podem perder boa parte dos meios administrativos mínimos requeridos para terem uma vida acadêmica saudável e não sujeita à pura, simples e implacável lógica do mercado, ou a transformações institucionais adaptativas que alteram a sua vocação precípua à pesquisa.
Outra ameaça, tão forte quanto as anteriores, mesmo que ainda não tão bem explicitada, materializa-se no requisito determinante, para a captação de recursos de pesquisa, que torna necessário o Nihil obstat de um órgão colegiado, como Departamento, Congregacão ou Conselho Superior. A instituição universitária progrediu pouco quando, ao longo da História, ficou sujeita ao centralismo dogmático do poder clerical. O exercício da “Liberdade Acadêmica”, tema das aulas inaugurais do presente ano letivo na UFBA, resulta seriamente ameaçado quando sujeito à mordaça de maiorias. O progresso científico, a criação, a invenção e o produzir do novo requerem o oxigênio da liberdade de exercício do trabalho e de livre expressão, garantida às minorias. E que não se pense ser esta consideração de ameaça um exercício meramente intelectual. É possível a exemplificação concreta de fatos onde a qualidade científica resultou prejudicada por requisitos deste tipo. É fato conhecido, a enorme influência que Dirigentes exercem sobre os correspondentes órgãos colegiados. E, vale observar, muitos destes dirigentes não exercem uma atividade regular de pesquisa, nem atuam nos cursos de pós-graduação. As atividades de Pesquisador e de Dirigente, ao tempo em que não sejam mutuamente excludentes, também não constituem sinônimo. Assim, a atividade de pesquisa resulta objetivamente ameaçada pelo exercício do poder de maioria nestes órgãos colegiados. É ilustrativo lembrar a resposta dada por um Diretor do Instituto Butantã, quando questionado sobre o “segredo” do sucesso daquela instituição: “Liberdade Acadêmica – o pesquisador é livre para pesquisar o que quiser e submeter suas idéias e projetos às agências de financiamento”.
Outro aspecto danoso ao Professor, que também é pesquisador, se refere especificamente aos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq. Estes colegas são avaliados periodicamente por seus pares e devem apresentar indicadores que reflitam a excelência na formação de recursos humanos altamente qualificados, bem como resultados relevantes na pesquisa básica, aplicada e/ou inovação. Um dos critérios de avaliação das IES, por varias instituições, tem sido o número (e o nível no CNPq) dos seus cientistas! Esta condição, a de bolsista daquela agência nacional, obedece a critérios claros, objetivos, com Edital específico, à qual se candidatam espontaneamente os pesquisadores, num processo competitivo. Se as regras, aqui ou ali, carecem de aperfeiçoamento, constituem outro assunto. Não custa lembrar que estas regras, satisfatórias ou inadequadas, segundo o critério de cada um, foram estabelecidas justamente por pesquisadores, tendo, portanto, características tidas pela maioria dos seus pares como minimamente satisfatórias. No caso da UFBA, em várias unidades, estes colegas cientistas além de não receberem qualquer reconhecimento pela contribuição para a excelência acadêmica agregada à nossa instituição, UFBA, são perseguidos e/ou estigmatizados!
Uma Universidade competente tem um bom ensino e interage com a sociedade que a financia, derramando sobre a mesma os resultados da sua pesquisa e do seu ensino. Todavia, só inova quem faz pesquisa. Inovação aqui num sentido lato, o sentido de produzir o novo, de inventar, de descobrir, de conceber, de reinventar, de estabelecer modelos visando compreender aquilo que ainda não se entende, enfim, de pesquisar. Não custa verificar que as melhores universidades do mundo, que mais claramente se notabilizam, têm este conceito de excelência justamente como resultado da qualidade da pesquisa que realizam. E, porque a fazem bem, ensinam bem e se relacionam proficuamente com a sociedade, beneficiando-a por consequência.
A Universidade Federal da Bahia vive um momento que levará à escolha de um novo Reitor. É de grande relevância, para a universidade, que os candidatos ultrapassassem o simples compromisso de "defender uma universidade pública, democrática e de qualidade", e assumam compromissos objetivos, concretos, claros e de natureza prática, que contemplem a atividade de pesquisa, superando com isto a ameaça de que a UFBA venha a se tornar exclusivamente um local de ensino. Só a implementação efetiva de ações institucionais que favoreçam a atitude investigativa evitará que a pesquisa continue a ser, ao final, "uma questão de foro íntimo".
Caio Castilho é Professor Associado
do Instituto de Física da UFBA,
PhD (University of Cambridge, U. K.)
Prezado Prof. Castilho,
ResponderExcluirSeu texto é de tamanha profundidade que permeia não apenas as atividades de pesquisa da UFBA, mas também de outras IFES.
É lastimável que, nas IFES, as PGs, antros de pesquisa deste país, são deixadas às margens e mecanismos de mérito para os pequisadores não foram implementados.
Não acredito que o dever de casa possa resolvido no tempo em que queremos. O pacto da mediocridade é intenso entre o vosso reino. Como o Sr. mencionou, já passamos da fase do foro íntimo apenas e devemos consolidar a institucionalização da pesquisa.
André Bafica/UFSC