terça-feira, 27 de abril de 2010

Avaliações para inglês ver


Há uma expressão antiga que me atormenta quando preciso fazer algumas “avaliações” atualmente: Para inglês ver. Claramente uma expressão colonizada, fazer algo para que o “civilizado” nos reconheça. Assim de inúteis estão algumas das avaliações que fazemos hoje.
O motivo desta minha alergia recente é uma avaliação que precisei fazer num pedido de bolsa de iniciação científica. Valorizo bastante o programa de iniciação científica (juntamente com a jaboticaba, algo que só existe no Brasil e é excelente) e me preparei com alto ânimo para a tarefa. Frustração total.
O formulário me colocava frente aos abomináveis baremas. Não precisava avaliar nada. Se me pediu somente para contar os trabalhos científicos, orientações etc registrados no CV do orientador. Claramente uma perda de tempo. Como o CV estava em formato eletrônico, e deveria apenas  contar itens, o próprio programa que me exigia isto poderia fazer mais rápido, e com menos erro. Ao ver este exemplo de inutilidade, me perguntei: um programa de iniciação científica valoriza igualmente um trabalho publicado na Science ou Nature e um publicado no Mongolian Journal of Experimental Medicine?   Será que vale mesmo a pena indicar um estudante para ingressar neste sistema???
Como otimista irrecuperável, pensei que pediriam minha avaliação na análise do projeto apresentado. Nova surpresa. Apareceu a informação que o projeto era financiado e eu apenas deveria colocar 10 em todos os itens. Além da continuada decepção, aumentava a humilhação. Se era para colocar 10 em todos os itens, porque deveria ser eu a fazê-lo? Ninguém que elaborou o programa pensou que, se não havia escolha, tudo poderia já ser preenchido pelo próprio programa???? (ainda hoje vejo muita gente pagando para usar programas proprietários sofisticados de edição de texto para fazer o mesmo que faziam nas velhas máquinas dactilográficas – assim, com c mesmo).
No ano passado tive crise semelhante (veja post) em relação à análise de CV. O problema era o mesmo e não houve qualquer alteração. Acabava o post do ano passado com:
Se o julgamento pudesse ser feito por algoritmos e baremas, não precisaríamos de comitês para analisar. Parece que é nisto que alguns desejam chegar. Aqueles que discordamos, devemos reagir (enquanto ainda há tempo)."
Será que ainda há tempo?
Ilustração: Sísifo (de Tiziano), em lembrança aos trabalhos infrutíferos e sem esperança.

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