terça-feira, 3 de agosto de 2010

A tristeza é uma “infecção” social?


ResearchBlogging.org
Todo mundo já ouviu falar que a alegria é contagiosa. Lógico que há vários fatores responsáveis pela alegria, melancolia, tristeza e outros sentimentos, mas há base para a afirmativa que a tristeza ou alegria têm uma transmissão como as doenças infecciosas? Algumas tentativas neste sentido foram feitas, mas não demonstraram claramente a hipótese.
A população humana se distribui em redes sociais as quais determinam interações e influenciam  no padrão de distribuição de doenças, mas também em muitos aspectos da vida, como as idéias e os comportamentos. Em julho de 2010, o Proceedings of the Royal Society B, publicou o trabalho “Emotions as infectious diseases in a large social network: the SISa model” (doi: 10.1098/rspb.2010.1217) que avaliou o padrão de transmissão de estados emocionais de longa duração numa rede social. Os autores analisaram dados do Framingham Heart Study, um projeto de estudo em cardiologia que coleta dados sociais e de saúde da população da cidade de Framingham, Massachusetts, desde 1948. Eles comparam o padrão de relacionamento e de emoções da população estudada com modelos desenvolvidos para o estudo de contágio em doenças infecciosas. Os dados foram analisados segundo o modelo susceptível-infectado-susceptível (SIS) mas incluía a possibilidade de infecção automática (espontânea) no modelo (SISa). Também foram “descontadas” as emoções compartilhadas imediatamente, como a de parentes e amigos que passam pela mesma experiência. Desta maneira, o foco ficava nas alterações emocionais que eram seguidas por mudanças em outros indivíduos.
Os dados mostram que os estados emocionais se comportam como doenças infecciosas, se espalhando em redes sociais em longos períodos de tempo. As alterações emocionais se distribuem em clusters, um padrão característico de processos infecciosos. No caso de alegria, os clusters obedeciam exatamente o esperado para doenças infecciosas, já para a tristeza os clusters foram maiores que o esperado, sugerindo a existência de algum outro efeito.
A probabilidade de se tornar contente aumenta 0,02 por ano para cada contato e a probabilidade de ficar descontente aumenta de 0,04 por ano por contato. Não é pouco! 
Cada amigo feliz aumenta a sua chance individual de ficar feliz em 11%, parecido com o que acontece numa epidemia de gripe. Quanto mais amigos com gripe, maior a sua chance de ter gripe. O outro lado também é verdadeiro, cada amigo triste, DOBRA a sua chance de ficar infeliz.  O que equilibra um pouco é que o tempo de duração de uma “infecção” de contentamento foi de 10 anos e de uma infecção de descontentamento de 5 anos.
Claro que estes modelos e cálculos precisam ser validados em outros estudos. Além disto, este  estudo o estudo base (Framingham) não é dirigido para aspectos emocionais, pelo que futuros estudos planejados para testar esta hipótese poderão ser mais informativos.
Outro aspecto a destacar é a limitação de conclusões válidas numa dinâmica ampla para a tomada de decisões individuais. Resta por demonstrar que a modelagem proposta é capaz de prever futuros eventos a ocorrer na coorte do Framingham.
Alguns aspectos práticos:
  • é bastante possível que este padrão de “contágio” interpessoal exista também em aspectos como comportamento e idéias, o que pode ser aplicado para entender vários campos, como a política;
  • mesmo que este padrão de disseminação da tristeza seja válido num plano pessoal, não é ético, nem socialmente aceitável, se afastar dos seus amigos tristes, por razões “higiênicas”.
Hill, A., Rand, D., Nowak, M., & Christakis, N. (2010). Emotions as infectious diseases in a large social network: the SISa model Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences DOI: 10.1098/rspb.2010.1217

2 comentários:

  1. Na mesma população, foi mostrado que o divórcio também é contagioso. Veja o artigo de CONTARDO CALLIGARIS, "Divórcios contagiosos" na Folha de 25/07/2010
    http://bit.ly/dxSHEe
    Trecho
    "Quando o "amigo" de alguém se divorcia, a probabilidade de esse alguém também se divorciar dentro de dois anos aumenta em 147%. E, no caso do divórcio de parentes, colegas e vizinhos, quase nada acontece. Em outras palavras, o "contágio" do divórcio funciona mesmo entre amigos ...

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