terça-feira, 9 de março de 2010

Consumo de cerveja e atração de mosquitos da malária


ResearchBlogging.org
Post de Petter Entringer
O Anopheles gambiae, possui uma preferência alimentar por humanos, daí sua grande capacidade vetorial da malária na África. Interessantemente, há evidências de que a “escolha” do hospedeiro onde irá se alimentar não é randômica, isto é,  indivíduos apresentam variações que os tornam mais ou menos atrativos para o inseto (Qiu et al, 2006). 
Além da temperatura, cada pessoa tem um odor corporal distinto, resultante da emissão de centenas de compostos orgânicos presentes na respiração e exalados pela pele, que atraem os insetos. Fatores adicionais como a dieta, condição de saúde e até mesmo o status reprodutivo também contribuem para o perfil do odor de um indivíduo. Esse conjunto de pistas odoríferas irá orientar as fêmeas de A. gambiae na busca pela alimentação.
O consumo de álcool é crescente em muitas regiões endêmicas a malária, e pesquisadores têm questionado seus efeitos na dinâmica da doença. 
T. Lefèvere e colaboradores publicaram um trabalho na PLOS ONE onde pela primeira vez é mostrado o efeito do consumo de cerveja na capacidade atrativa de humanos a uma população natural de  A. gambiae Beer consumption increases human attractiveness to malaria mosquitoes, Vol 5, issue 3, e9546, Março de 2010.
O estudo foi desenvolvido com voluntários de uma área endêmica a malária em Burkina Faso, oeste Africano. Nesta região é grande o consumo de uma cerveja artesanal chamada Dolo – com ~ 3% de álcool –  preparada a base de sorgo. A ilustração acima do post mostra um burkinense bebendo dolo e a ilustração abaixo o local de preparo do dolo, denominado “cabaret”.


Os autores avaliaram atração a indivíduos antes e após o consumo de água ou cerveja, avaliando a ativação e a orientação dos insetos frente aos estímulos oferecidos, em um sistema de caixas e ductos em formato de Y. Os efeitos dos odores provenientes dos indivíduos eram comparados com os dos odores do próprio ambiente. Figura abaixo.
Observaram que antes do consumo de qualquer das bebidas não havia diferença na atração. No entanto, após o consumo de água ou cerveja, os que consumiram esta última ativaram mais insetos, além deles se orientarem preferencialmente para o local de onde vinha o odor dos indivíduos que haviam consumido a bebida alcoólica. E esta maior atração não foi devido a diferenças na produção de CO2 ou variações na temperatura dos voluntários. Os autores verificaram variações na capacidade individual de atrair os insetos, isto é, aqueles que atraiam mais antes também atraiam maior quantidade de mosquitos após o consumo das bebidas.
Embora não tenham evidências para as razões pelas quais após consumir cerveja os indivíduos são mais atrativos ao A. gambiae, os autores postulam que o metabolismo do álcool induz mudanças na respiração e marcadores do odor, como os kairomones por exemplo, tornando-os mais atrativos. Ou ainda, que os insetos tenham desenvolvido preferência por pessoas que consumiram cerveja recentemente, possivelmente devido à diminuição dos comportamentos defensivos desses indivíduos ou por representarem um repasto sanguíneo mais nutritivo.
O estudo não avaliou a possibilidade de outros ingredientes ativos do Dolo além do álcool, serem os responsáveis pelo efeito da maior atração. Apesar disso chama atenção para um fator de risco para transmissão da malária, que é o consumo de bebidas alcoólicas. Isso ganha maior relevância, pois mostra a convergência de dois grandes problemas de saúde pública de alcance mundial, a malária e o consumo descontrolado de álcool.
E a observação pode ser mais alarmante se for levado em conta que o consumo de álcool pode contribuir para a quadro geral de doenças, especialmente pelo comprometimento do sistema imune do hospedeiro, no combate a parasitas.

Lefèvre, T., Gouagna, L., Dabiré, K., Elguero, E., Fontenille, D., Renaud, F., Costantini, C., & Thomas, F. (2010). Beer Consumption Increases Human Attractiveness to Malaria Mosquitoes PLoS ONE, 5 (3) DOI: 10.1371/journal.pone.0009546

Qiu YT, Smallegange RC, Van Loon JJ, Ter Braak CJ, & Takken W (2006). Interindividual variation in the attractiveness of human odours to the malaria mosquito Anopheles gambiae s. s. Medical and veterinary entomology, 20 (3), 280-7 PMID: 17044878

5 comentários:

  1. vou passar para o pessoal do laboratório, pois vão para o campo e a noite a cervejinha é certa!

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  2. O álcool também não pode ter um efeito secundário, do tipo aumentar a excreção em geral e com isso aumentar a exalação de moléculas de odor (essas sim atrativas para os insetos)?

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  3. A crença popular é: Quem bebe vê os outros como mais atraentes.
    Agora fica demonstrado que nos torna também atraentes para outros (pelo menos para os anofelíneos).

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  4. Esse trabalho pode estar enviezado e temos que ter cuidado na extrapolacao dos dados. A ausencia de controles de outras bebidas alcoolicas, pode indicar o que o Petter sugeriu, que o Dolo pode ter outras substancias responsaveis pelo efeito. Os argumentos sao interessantes, mas pelo menos em Rondonia, a crenca popular diz que o cachaceiro pega menos malaria (se esse pega, nem imagino o que ocorre rsrsrs). Outros trabalhos mostraram que existem odores humanos que atraem, e outros que repelem os mosquitos. O Dolo pode ativar alguns que atraem mais do que os que repelem. Nao sabemos quanto outras bebidas. Quando estive nas comunidades ribeirinhas em Rondonia, o alcool era referido como ferramenta de alivio nas noites (pelo menos pra nao sentir as picadas). E nada de malaria na nossa equipe (!?). O assunto eh interessante uma nova ida em RO poderia gerar um clinical trial. rsrsrs

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  5. Tá provado,
    É o grande cosmético da humanidade!
    Vale por mil perfumes,
    Por mil cirurgias plásticas,
    - e agora -
    por mil picadinhas.
    As feias que me perdoem, mas uma biritinha é fundamental!

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