quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Acesso livre e o efeito Mateus nas citações científicas

Calixto me enviou recentemente um artigo sobre a concentração de citações científicas e achei que o tema se encaixa bem numa série de tópicos que tem sido tratada no blog. Já discutimos as limitações do uso de citações como indicador de qualidade entre diferentes áreas do conhecimento e do risco do emprego deste indicador para avaliações individuais. Também vimos algumas das dificuldades do uso de citações como indicador de qualidade de artigos científicos, e outros indicadores que têm sido utilizados.
Há bastante tempo se sabe que há uma concentração de citações de artigos científicos. Mais uma manifestação do efeito Mateus na ciência, tema tão lembrado por Bethânia: “a todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado (Mateus, 25, 28-29)”. A análise das citações revela que poucos autores recebem a maioria das citações, caindo no conhecido padrão “80/20”, que é característico de vários campos, marcantemente onde ocorre escolha pelo homem. Há várias explicações para o padrão, incluindo a que reconhece que há diferenças de mérito em todos os campos e a escolha revela os melhores. Abordaremos duas questões neste post. A concentração de citações é igual entre os diferentes campos científicos? e a expansão do acesso livre aumenta a concentração de citações?
Uma análise feita em 1999, “Citations Reveal Concentrated Influence: Some Fields Have It, But What Does It Mean?” revelou que há uma concentração diferente nos diversos campos.  A Science Watch definiu grupos de revistas pertencentes a diferentes áreas da ciência e analisou a percentagem de papers (artigos, notas e revisões indexadas pela ISI entre 1981 e 1997) necessários para alcançar o nível de 50% de todas as citações daquele campo. Nas ciências da computação, na economia/negócios e na biologia molecular/genética 5% dos papers são responsáveis por 50% das citações. Na química, ciências dos animais e das plantas e na astronomia/astrofísica são 10% dos papers que respondem por 50% das citações. Ou seja a diferença entre os dois grupos é de duas vezes. Adicionalmente, o artigo mostra que em termos gerais há uma correlação inversa entre concentração de citações e a freqüência de artigos não citados. 
Se o reconhecimento do mérito fosse a base da concentração de citações, como explicar que a concentração seja diferente entre os diversos campos científicos? 
A outra questão é se o acesso livre às publicações tem um efeito sobre o fenômeno da concentração de citações. Um trabalho de 2009 The decline in the concentration of citations, 1900-2007 concluiu que a concentração de citações se reduziu no período mais recente. Eles usaram a base da Thomson-Reuters para analisar as citações recebidas por artigos publicados entre 1900 e 2005. Além de analisar o número de artigos necessário para atingir 50% das citações, eles analisaram o número de artigos que receberam pelo menos uma citação (uma outra forma de identificar a frequencia de artigos não citados) e o índice Herfindahl-Hirschman (um método de avaliação do grau de concentração num mercado; é calculado como a soma dos quadrados das quotas de mercado das empresas que operam no mercado em questão). Todos os três critérios indicam que há uma redução da concentração (aumento da dispersão) de citações.
A conclusão deste artigo não é consensual. Em 2008 (Electronic Publication and the Narrowing of Science and Scholarship) um outro artigo, na Science, demonstrou exatamente o inverso: “Using a database of 34 million articles, their citations (1945 to 2005), and online availability (1998 to 2005), I show that as more journal issues came online, the articles referenced tended to be more recent, fewer journals and articles were cited, and more of those citations were to fewer journals and articles. .... Searching online is more efficient and following hyperlinks quickly puts researchers in touch with prevailing opinion, but this may accelerate consensus and narrow the range of findings and ideas built upon.”
Este post levanta mais questões que as esclarece. A concentração de citações é diferente nos diferentes campos da ciência. As causas destas diferenças não estão claras. Dois artigos que investigam a tendência temporal da concentração das citações chegam a conclusões opostas. Quais as hipóteses para explicar estas diferenças de áreas e de resultados? Para ampliar a discussão, é bom saber que o efeito Mateus ocorre em diversos tipos de redes, veja sobre redes complexas da interent às redes sociais : "Em 1999 Barabási e Albert sugeriram um mecanismo dinâmico simples e plausível para o aparecimento de redes scale-free com nodos altamente conectados. A ideia básica do modelo é a de que as redes não são construídas de uma só vez, mas sim ao longo do tempo, e que apesar do processo de construção ter ingredientes aleatórios, obedece também a certas regras. Mais precisamente, consideraram que à medida que a rede cresce e que novos nodos são acrescentados, estes vão-se ligar preferencialmente aos nodos com maior grau. Este cenário é plausível para muitas redes grandes. Os novos sites web tendem a ligar-se a sites populares e conhecidos. Os novos elementos de um grupo tendem a gravitar para os seus elementos mais populares. Este modelo de crescimento chama-se de ligação preferencial e o princípio de favorecer as ligações a nodos com maior conectividade..."


Larivière, V., Gingras, Y., & Archambault, �. (2009). The decline in the concentration of citations, 1900-2007 Journal of the American Society for Information Science and Technology, 60 (4), 858-862 DOI: 10.1002/asi.21011

Evans, J. (2008). Electronic Publication and the Narrowing of Science and Scholarship Science, 321 (5887), 395-399 DOI: 10.1126/science.1150473
ResearchBlogging.org

2 comentários:

  1. Barral:

    as redes de escala livre governam o universo, segundo Barábasi, e obedecem leis da mecânica quântica. Vale a pena ler os seus trabalhos.

    Abcos, André

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  2. Atire a primeira pedra quem nunca preferiu citar uma revisão da Nat. Immunol. a uma revisão da "Arch. Immunol. Indian Med. Soc.", rsrsrs.........

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