O estudo realizado em várias múmias egípcias, incluindo a de Tutankamon (Ancestry and Pathology in King Tutankhamun’s Family; JAMA 2010; 303(7):638-647 doi: 10.1001/jama.2010.121) recebeu bastante atenção da imprensa, tanto científica quanto leiga. Gostaria de comentar rapidamente dois aspectos: ele morreu de malária ou com malária? e o outro sobre os aspectos éticos de um estudo como este.
Ética
Começando pelo tópico da ética, não encontrei no artigo aprovação por um Institutional Review Board. Imaginei se os comitês de ética brasileiros aprovariam tal estudo. Em janeiro de 2009, postamos sobre Uso em pesquisa de dados ou amostras estocados. A Sociedade Brasileira de Patologia tem um parecer sobre o assunto (Parecer 31) que indica: “Desta forma a utilização de qualquer material biológico identificado necessita de termo de consentimento informado, porém quando o banco de dados trata-se de material biológico estocado (bloco de parafinas, laminas) ou materiais biológicos que seriam descartados após terem sido utilizados para fins de diagnósticos, estes poderão ser utilizados, desde que: ·Que não tenha acesso aos dados de identidade do paciente que forneceu o material ou outras informações que possam vir a identificá-lo
·Que o resultado desta pesquisa não gere informações que possam resultar em benefícios ou riscos para o paciente ou seus familiares.
Cabe salientar: para que a utilização seja realmente de material não identificável o paciente deve ser anônimo e a pesquisa isenta de conseqüências.”
Como, no caso, a identidade do paciente é bem conhecida e não há um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, creio que o estudo não poderia ser feito no Brasil.
Não me interpretem mal, não critico a realização do estudo, mas sim as nossas regulamentações muito rígidas. Aliás, não consigo entender também a parte do parecer que diz que para a utilização do material, a pesquisa deve ser isenta de conseqüências. Para que fazer uma pesquisa sem conseqüências???
Causa da morte
Ao ler a notícia na imprensa leiga, fiquei em dúvida se a malária havia mesmo sido a causa da morte de Tutankamon ou uma doença presente mas não necessariamente teria causado a morte. Os autores tratam deste aspecto e concluem que a malária esteve implicada diretamente na sua morte.
Eles alertam sobre o cuidado na interpretação da causa da morte e indicam que no caso de Yuya e Thuya (veja genealogia que ilustra o post) a malária não deve ter sido letal:
“Caution must be taken when interpreting cause of death in these mummies. It can be speculated that Yuya and Thuya had malaria, but it is not known if this was lethal ... either that the infection took place quite late in their lifetime, that they enjoyed strong genetic fitness, or that they acquired a partial immunity”
No caso de Tutankamon, embora tivesse múltiplas enfermidades, os autores implicam a malária na morte. Após reforçar que nem todos os pacientes com malária apresentam um quadro grave e potencialmente fatal, eles concluem:
“On the other hand, Tutankhamun had multiple disorders, and some of them might have reached the cumulative character of an inflammatory, immune-suppressive—and thus weakening—syndrome .... A sudden leg fracture possibly introduced by a fall might have resulted in a life-threatening condition when a malaria infection occurred.”
Contudo, as evidências adicionais à detecção do DNA do Plasmodium, não são exatamente convincentes:
“Seeds, fruits, and leaves found in the tomb, and possibly used as medical treatment, support this diagnosis…”
A presença de possíveis medicamentos na tumba me parece muito pouco. Enfatizo o possíveis, ou seja nem se tem indicação histórica que as sementes, frutas e folhas encontradas na tumba eram utilizadas contra malária no antigo Egito.
Hawass, Z., Gad, Y., Ismail, S., Khairat, R., Fathalla, D., Hasan, N., Ahmed, A., Elleithy, H., Ball, M., Gaballah, F., Wasef, S., Fateen, M., Amer, H., Gostner, P., Selim, A., Zink, A., & Pusch, C. (2010). Ancestry and Pathology in King Tutankhamun's Family JAMA: The Journal of the American Medical Association, 303 (7), 638-647 DOI: 10.1001/jama.2010.121